quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Aventura em São Paulo

SÃO PAULO, 14/10/2010

PARA SÃO PAULO,BOTA FORA,14/10/2010
Estamos em meados de 1959 e com 20 anos por fazer, estou na estação ferroviária de Marília aguardando o trem noturno que sairia às 20 hs com destino à São Paulo; Muitos amigos ao meu redor fazendo barulho para o " bota fora" ,e para dificultar o controle do meu estado emocional na hora da partida do trem.


O trem chegou e me despedi rapidamente de todos ,entrei no vagão , sentei no banco , e aí comecei a reordenar a minha cabeça que estava bastante "zoada"; Imaginei que iria pegar no sono logo pois andava bem cansado, mas era muita coisa acontecendo muito rapidamente que não tinha como pegar no sono; Cochilei algumas vezes e quando o trem aproximou de Campinas de madrugada , começou fazer muito frio , e meus dentes batiam e tive que me cobrir com jornal que tinha sido largado por algum passageiro;


Depois de quase 12 hs de viagem o trem parou na Estação da Luz , desci e peguei um taxi ; Já tinha ouvido falar que os taxistas conhecendo os "caipiras" que vinham do interior ,aproveitavam do desconhecimento das ruas da Capital e ficavam rodando para aumentar a quilometragem; Falei para seguir ruas e avenidas que tinham me falado como se já conhecesse e pelo valor que me cobrou, achei que não fui enganado; Na primeira semana fiquei hospedado na casa da minha tia Keiko ,e logo que comecei trabalhar mudei para uma pensão na rua da Liberdade.

NOVA ETAPA.
Aqui começa uma nova etapa da minha vida; No início era praticamente trabalhar ,trabalhar e trabalhar; Teve muitos momentos em que tive muita vontade de voltar devido a falta de relacionamento de amigos que sempre tive, e aqui uma vida muito solitária; Somente aos poucos fui me adaptando, fazendo alguns contatos com quem já estava morando aqui , mas achava tudo muito difícil pelas distâncias, pois no interior agente encontrava com o pessoal todos os dias; Vou tentar colocar aqui, em três ambientes , simultaneamente , uma longa fase da minha vida que , se antes pensava ter sido gratificante , nem imaginava o que estaria por vir.

BARRA
No início foi "barra" morar em São Paulo; A pensão era horrível, quarto mal cheiroso, dividindo com desconhecido, comida ruim; Seguindo orientação do meu amigo Jorge, no primeiro dia de trabalho acordei cedo, ainda escuro, fui até o ponto na Pça Clóvis onde o ônibus da firma chamado "papa fila" de tão grande que era,  passaria e quando chegou , fui entrar, quando levei uma cotovelada e um empurrão ; Aí percebi que estava cortando uma fila enorme que não tinha visto ,pois ainda era de madrugada; Este e outros acontecimentos semelhantes que aconteceram no inicio , me fez questionar a vinda para São Paulo e lembrar do interior com muita saudade. Depois de vários anos , ainda continuei indo à Marília todas as vezes que tinha eleição , pois não tinha transferido o titulo justamente para ir e matar saudade.


Passados quase um mês , fui visitar o meu amigo Akito que morava na região do Mercado Municipal; Lá encontrei-o morando num quarto de apartamento alugado de uma senhora japonesa e por sorte minha, com vaga, e me convidou para ficarmos juntos ; Era o que mais precisava naquele momento , porque não suportava  mais continuar na pensão e me mudei no dia seguinte mesmo tendo já pago o mês; No outro quarto moravam dois rapazes de Pompeia que se chamavam Toyoshiko e Seigo, que estavam em São Paulo para concluírem o científico e prestarem vestibular.


No primeiro sábado que não fui trabalhar de hora extra, procurei uma lanchonete que servia almoço , e não sabendo o que pedir, vi pessoas pedindo dobradinha e fiz o mesmo sem conhecer; Quando puseram a cumbuca na minha frente , vi que era feito de feijão branco e bucha de boi que me fez sentir náusea ; Paguei e fui à um restaurante comer o que conhecia; O Akito tinha amigos que se reuniam numa farmácia chamada Fuji e lá tinha funcionários que freqüentavam um clube que falarei adiante . ( Um dos funcionário era o meu amigo de Marília chamado Odilon )


No trabalho era tudo muito estranho , acostumado com um ambiente e trabalho muito favorável, pois praticamente dominava tudo, e agora tinha que prestar muita atenção para não cometer erros e era cada um para si; O meu chefe ,Müller, era muito paciente e deixava que eu perguntasse muitas coisas triviais, porque os outros , ou davam respostas por cima ou simplesmente ignoravam e me fazia sentir revirar o estômago. Todo trabalho era executado sob desenho e depois de formado no SENAI , na oficina , tudo era feito conforme  amostra gastas ou quebradas e não tinha praticado trabalhar tudo sob desenho técnico.

SENTINDO MELHOR
Morando agora num quarto de apartamento e ambiente familiar , me senti muito melhor; O Akito me levava para conhecer lugares e amigos dele o que me aliviava da sensação de solidão;Uma noite choveu muito , e quando acordei ouvi barulho de água ocasionado por caminhão na rua e fui ver na sacada; Toda região do mercado estava coberto de água e depois vim saber que era comum acontecer; Muito devagar , fui me acostumando e conheci um clube de nisseis chamado Heibon,  próximo ao mercado central ; Gostei do ambiente e comecei frequentar jogando tênis de mesa que gostava muito.


Frequentei Heibon por muitos anos, que tinha uma sede pequena , mas promovia muito bailes , pic-nics e participava em torneios de tênis de mesa em muitas cidades além de São Paulo; Uma vez alugamos uma composição inteira de trem e promovemos um pic nic de quatrocentas pessoas em que levei os primos Yukio, Marina e Milton que tinham vindo morar em São Caetano pouco tempo depois de mim. Sempre que encontramos, nas conversas ainda é lembrado desse pic-nic.


WILLYS & FORD
Enquanto isso na firma que vou chamar de Willys daqui para frente, e depois de Ford , não estava fácil para mim trabalhar; Estava no meio de italianos, espanhóis , gregos e outros estrangeiros que já vieram com experiência e de outros que tinham passados por escolas como o Liceu, Getúlio Vargas e Federal; Quando  cometia erro me dava nó na garganta , revirava estômago, me deixava mal por bastante tempo; Mas, sempre tem o 'mas", e eu não era de repetir o mesmo tipo de erro e sempre fui bom observador ,e  fui aprendendo e melhorando cada vez mais, enquanto que os demais já se achavam no limite do conhecimento , eu tinha muita" estrada" pela frente. Teve um rapaz que me ajudou muito, e que , depois se tornaria um grande amigo chamado João Ascêncio Haro: 


Passados mais ou menos dois anos , dominava todo tipo de maquinas, e desenho técnico não eram mais segredo ;Como tinha habilidade manual trabalhei como ferramenteiro por um ano , quando fui promovido para o cargo de lider do pessoal de máquinas, aqueles que citei no parágrafo anterior; Houve tentativas de boicotes, ouvia alguns deles dizendo que quando eu não era nem nascido eles já conheciam o trabalho, mas aos poucos fui me impondo  e sem maiores questionamentos  tiveram que me aceitar..


Nessa época, em 1961, a minha família já estava morando em São Caetano , o que irei contar mais para frente, e um dia o meu Avô pediu para o meu tio Taketo , marido da tia Keiko leva-lo para conhecer a Willys e me ver trabalhando ; Como disse no início do meu blog, ele foi dirigente de uma indústria muito grande no Japão antes de imigrar para o Brasil; Levei eles para conhecer a ferramentaria que eu trabalhava e toda a fabrica, e se mostrou muito satisfeito em me ver lá;

ATAQUE FULMINANTE
Em menos de um ano , o meu Avô que tinha pressão alta,e já tinha tido ataque no coração , faleceu à caminho de um casamento da filha do irmão mais velho do Taketo-san; O tio Okinisan estava acompanhando-o quando o Avô começou sentir mal na Av. Domingo de Morais , desceram do ônibus e entraram numa clinica médica, mas não foi possível salva-lo, o ataque foi fulminante.

PREFERÊNCIAS
Apesar de eu ter tido convivência com o meu Avô enquanto morei junto até os meus 13 anos, hoje vejo o quanto me influenciou , seja no modo de ser intransigente , na necessidade de ser pontual , na postura , e em outros princípios muito rígidos; Quando fugi de casa pensei, agora estou livre para fazer o que eu quiser e ninguém irá me impedir; Porém uma vez livre , não tive nenhum interesse e nem aconteceu o que se imaginava poder fazer; Muitas coisas que eu me opunha , como ter que ser "nihonjin", preferindo ser como "gaijin", e gostar de ter mais amizades com gaijns tanto meninos como meninas, na medida em que ia me tornando adulto , via que meus sentimentos iam retornando às origens. Hoje me é possível ver que existem o lado bom e o lado ruim em ambas as culturas.

SEPARAÇÃO
Enquanto eu levava a minha vida em Marília e depois em São Paulo, estava muito desligado da minha família e achava que estaria indo tudo muito bem; Um dia , ainda vivo, o meu Avô estava de visita na casa do Taketo-san e me chamou para ir conversar com ele; Disse-me que estava fechando a loja, dividindo os bens e mercadoria e que ele estaria separando a minha parte; Apesar de surpreso com tudo que ele me dizia , independente de direito ou não , achei que eu não tinha que tomar parte nessa divisão e dispensei na hora; Depois vim saber que o movimento da loja tinha caído muito e resolveram dissolver a sociedade , porém na divisão dos bens o que coube a cada parte foi muito pequeno. Invariavelmente nessas circunstâncias surgem discussões e ressentimentos , mas eu estava fora e pouco soube .


Ao fechar a loja em Parapuã , a família que sempre esteve unida desde a vinda do Japão, se dissolveu e cada tio com a sua família foram  morar em cidade que achou ser mais conveniente na ocasião; Seguindo a tradição , os meus Avós foram morar com o tio mais velho, tio Keiti , em São Caetano do Sul , o segundo tio, o tio Kiyoshi , foi morar em Mogí das Cruzes e o terceiro tio, o tio Takeshi  foi para cidade de Piracicaba; Penso que devido ao modo como o meu Avô sempre conduziu os interesses familiares , de modo autoritário e direcionado para um só filho ,Kiyoshi, ocasionou desinteresse e acomodação aos demais , e principalmente total falta de conhecimento administrativo de comércio e de eventual emprego. Visto de fora, imagino que isso tenha levado às duas famílias , do tio Keiti  e do tio Takeshi, a uma dificuldade de sobrevivência enorme , agravados pela existência de filhos pequenos ,enquanto que para o outro tio, Kiyoshi, se houve dificuldade imagino que deve ter sido bem menor comparativamente.
MOTOCICLETA
O meu trabalho na Willys naquela altura tinha melhorado muito e meus superiores gostavam muito de mim; Como tinha aprendido operar em qualquer maquina , me convocavam para trabalhar em extra todas as semanas, além de todos os dias ficar até a noite; Com isso o meu hollerit (pagamento) vinha dobrado e não tinha como gastar porque almoçava e jantava na fabrica. Incentivado por um chefe italiano que gostava de moto , comprei uma moto importado da marca JAWA zero na loja Pirani ; As andanças de moto para todos os cantos que ia, irei contando pouco a pouco .Ainda nessa época , com o dinheiro das horas extras comprei uma casinha que o dono do apartamento onde morava tinha construído em Eldorado na zona sul e o próprio vendedor, um senhor japonês , me propôs de alugar para um inquilino: Depois de um ano achei melhor vender e comprar um apartamento em lançamento , o que acabei fazendo.

CIRCULO NOVAMENTE
Mesmo trabalhando muito, e frequentando o clube Heibom nas folgas , fiquei sabendo que um grupo de jovens nisseis de V. Mariana liderado pela família Harata tinham fundado um Circulo Católico Estrela da Manhã; Fui conhecer e falei que em Marília tinha pertencido num, e assim fiz amizades e comparecia em reuniões sempre que podia; Mais ou menos nessa época , o meu amigo Pedro Tojito que tinha vindo de Marília também, resolveu fundar outro Circulo na V. Prudente e convidou mariliénses circulistas participarem, incluindo eu; Aí aconteceu de alguém que não me lembro, me convidar para tomar parte de um grupo de rapazes vindos de Pres. Prudente que estavam alugando um apartamento e que tinha uma vaga; Maioria eram circulistas e iriam fundar um que chamaria Frei Bonifácio e usariam uma sala junto à capela do Largo São Francisco.


Com o convite me mudei para a república da Rua Tabatinguera e pela localização e grupo , optei em ficar no Frei Bonifácio; Mas pelas amizades continuei frequentando também o de V, Mariana e do V. Prudente; Como nos Círculos as reuniões eram aos domingos , podia frequentar o clube Heibom nas noites de semana;


Na república , éramos em oito sendo eu, Francisco, Nelson, Kenji, Shumio, Nariaki, Paulino e o Pedro, e nem todos eram circulistas, maioria vindos de Presidente Prudente e era local de encontros de muita gente, inclusive os fila boias; Todos eram estudantes menos eu; Maioria tinha emprego de subsistência, menos eu que na Willys tinha um salário razoável , andava de moto e podia ir aos restaurantes e cinemas ; Tínhamos uma cozinheira e sempre havia os fila boias que vinha na hora certa ; O meu local preferido para jantar aos sábados e domingos era a Santa Teresa que fica na Praça J. Mendes.

AERO WILLYS
A Willys foi pioneira em desenvolver modelos de carros próprio , como a Perua Rural, Aero Willys e Itamaraty que eram carros de luxo na época; Tive a oportunidade de ser escolhido por um gerente geral chamado Mário para executar trabalho de protótipos com prioridade total na ferramentaria; Sob a orientação dele e de vários engenheiros , o que eu precisasse, a ferramentaria toda estava a minha disposição; Nessas condições, trabalhar era muito mais prazeroso para mim que tinha aprendido a gostar de mecânica ;E a cada dois a três meses, quando abria o envelope de pagamento , estava lá o aumento sem que eu tivesse pedido , aliás , o que nunca mais fiz depois da Jacto.

MOTOQUEIROS
Num feriado de semana santa , depois de longo tempo só trabalhando , resolvi descansar , peguei a moto e viajei até Marília à 430 km de de São Paulo; Coinscidentemente um colega de trabalho disse que também viajaria até Marília e não acreditou que eu iria ; Aí marcamos encontrar num local e na hora marcada estávamos tomando
café juntos; Outra passagem com a moto foi quando fui visitar a minha família em São Caetano e já noite convidei o primo Milton para dar um passeio na garupa até São Paulo e me pareceu ter gostado muito ; Um domingo fui até Santos e quando estava na praia , encontrei a Tia Keiko com a família e depois de passarmos um certo tempo , saímos para voltar e o Tio Taketo com Ford V8 não conseguiu me acompanhar na serra devido as curvas e a tia ficou preocupada e disse que era perigoso; Fora essas passagens eu tinha dois colegas do Heibom, o Issamu Tanaka e Jorge Minami que, um tinha uma moto igual e o outro tinha uma Vespa e convidávamos colegas femininos de garupeiras e viajávamos sempre para outras cidades não muito longe . NA FOTO ACIMA, JORGE, EU E ISSAMU EM JUNDIAÍ , A CAMINHO DE ITÚ. NA FOTO ABAIXO , EU E O ISSAMU NA VIA ANCHIETA.

No tênis de mesa eu não era o melhor mas nem o pior e sempre participávamos em torneios de clubes de São Paulo, além de viagens de intercâmbios com associações de outras cidades; Nesse grupo participavam quatro irmãos da família Fujiwara, que eram muito amigos meus e frequentava o apartamento deles na Av. Mercúrio .

PROTÓTIPOS
No início de 1963 , o trabalho de  protótipos de câmbio do Aero Willys  estavam terminados e aprovados ; O Mário tinha comprado a briga porque a outra engenharia que deveria ter desenvolvido o novo cambio tinha falhado e como achou que a nossa tinha possibilidade fez a revelia e deu certo; Em seguida tinha que colocar em produção e para isso mobilizou toda engenharia , ferramentaria e produção e como eu sabia de todos os detalhes não me deram sossego até o final da implantação;


Trabalhei muitas vezes dia e noite , sete dias por semana sem descanso por vários meses ; Cada dia aprendia mais trabalhando junto com vários engenheiros designados pelo Mário; Por fim , depois de muito trabalho a mudança do modelo de caixa de cambio estava terminado e em produção.

PROMOÇÃO
Passado pouco tempo o supervisor me chamou e disse que estava me promovendo para a chefia da Ferramentaria; Não foi tanta surpresa porque tinha me envolvido tanto nos últimos dois anos em trabalhos que davam muita visibilidade ; Porém recusei e ele se espantou porque nunca teria imaginado, e quis saber o por que, pois era um cargo muito cobiçado .Muitos colegas , mesmo aqueles que sabiam que eu não gostava de mandar , por não saber de outra possibilidade que eu tinha, falaram que eu era bobo e que estava deixando passar uma ótima oportunidade. Expliquei ao supervisor que não gostava de mandar , o que era meia verdade e não podia explicar melhor o motivo maior naquela ocasião. O engenheiro Oda que foi a pessoa que mais trabalhamos juntos , tinha dito que me levaria para trabalhar com ele na engenharia em breve.

OPORTUNIDADE II
Como disse anteriormente, sempre gostei de mecânica e ambiente de fabrica , com aquele barulho, gente e cheiro característico que fica até impregnado na pele da gente:  Mas ao ter contato com os engenheiros , projetistas , ambiente de engenharia , e o trabalho envolvente, pensei o quanto seria interessante a junção e aplicação da teoria que os engenheiros conheciam, com a prática e o gosto pela mecânica que eu tinha.


Quando o engenheiro Oda me deu dica de que me levaria para trabalhar na engenharia , vi que surgira uma oportunidade para continuar aprendendo, abrindo mão de promoção para um cargo de chefia na ferramentaria que nunca tive muita afinidade. Não demorou muito , fui realmente transferido e foi mais uma virada de pagina na minha vida; Se tanto profissional como pessoal, a minha vida até naqueles momentos fora de muitas realizações , os acontecimentos posteriores foram de uma riqueza maior , agora acrescida de familiar , o que passarei a contar daqui para frente.




















3 comentários:

  1. Nossa, minha vida profissional não foi recheada como a sua!!! vc foi muito focado!!! Parabéns!!

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  2. estou esperando o próximo capítulo!! cade minha mãe?

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  3. Que luta !!.... porém cada vez, mais gratificante né não ??

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