quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Aventura em São Paulo

SÃO PAULO, 14/10/2010

PARA SÃO PAULO,BOTA FORA,14/10/2010
Estamos em meados de 1959 e com 20 anos por fazer, estou na estação ferroviária de Marília aguardando o trem noturno que sairia às 20 hs com destino à São Paulo; Muitos amigos ao meu redor fazendo barulho para o " bota fora" ,e para dificultar o controle do meu estado emocional na hora da partida do trem.


O trem chegou e me despedi rapidamente de todos ,entrei no vagão , sentei no banco , e aí comecei a reordenar a minha cabeça que estava bastante "zoada"; Imaginei que iria pegar no sono logo pois andava bem cansado, mas era muita coisa acontecendo muito rapidamente que não tinha como pegar no sono; Cochilei algumas vezes e quando o trem aproximou de Campinas de madrugada , começou fazer muito frio , e meus dentes batiam e tive que me cobrir com jornal que tinha sido largado por algum passageiro;


Depois de quase 12 hs de viagem o trem parou na Estação da Luz , desci e peguei um taxi ; Já tinha ouvido falar que os taxistas conhecendo os "caipiras" que vinham do interior ,aproveitavam do desconhecimento das ruas da Capital e ficavam rodando para aumentar a quilometragem; Falei para seguir ruas e avenidas que tinham me falado como se já conhecesse e pelo valor que me cobrou, achei que não fui enganado; Na primeira semana fiquei hospedado na casa da minha tia Keiko ,e logo que comecei trabalhar mudei para uma pensão na rua da Liberdade.

NOVA ETAPA.
Aqui começa uma nova etapa da minha vida; No início era praticamente trabalhar ,trabalhar e trabalhar; Teve muitos momentos em que tive muita vontade de voltar devido a falta de relacionamento de amigos que sempre tive, e aqui uma vida muito solitária; Somente aos poucos fui me adaptando, fazendo alguns contatos com quem já estava morando aqui , mas achava tudo muito difícil pelas distâncias, pois no interior agente encontrava com o pessoal todos os dias; Vou tentar colocar aqui, em três ambientes , simultaneamente , uma longa fase da minha vida que , se antes pensava ter sido gratificante , nem imaginava o que estaria por vir.

BARRA
No início foi "barra" morar em São Paulo; A pensão era horrível, quarto mal cheiroso, dividindo com desconhecido, comida ruim; Seguindo orientação do meu amigo Jorge, no primeiro dia de trabalho acordei cedo, ainda escuro, fui até o ponto na Pça Clóvis onde o ônibus da firma chamado "papa fila" de tão grande que era,  passaria e quando chegou , fui entrar, quando levei uma cotovelada e um empurrão ; Aí percebi que estava cortando uma fila enorme que não tinha visto ,pois ainda era de madrugada; Este e outros acontecimentos semelhantes que aconteceram no inicio , me fez questionar a vinda para São Paulo e lembrar do interior com muita saudade. Depois de vários anos , ainda continuei indo à Marília todas as vezes que tinha eleição , pois não tinha transferido o titulo justamente para ir e matar saudade.


Passados quase um mês , fui visitar o meu amigo Akito que morava na região do Mercado Municipal; Lá encontrei-o morando num quarto de apartamento alugado de uma senhora japonesa e por sorte minha, com vaga, e me convidou para ficarmos juntos ; Era o que mais precisava naquele momento , porque não suportava  mais continuar na pensão e me mudei no dia seguinte mesmo tendo já pago o mês; No outro quarto moravam dois rapazes de Pompeia que se chamavam Toyoshiko e Seigo, que estavam em São Paulo para concluírem o científico e prestarem vestibular.


No primeiro sábado que não fui trabalhar de hora extra, procurei uma lanchonete que servia almoço , e não sabendo o que pedir, vi pessoas pedindo dobradinha e fiz o mesmo sem conhecer; Quando puseram a cumbuca na minha frente , vi que era feito de feijão branco e bucha de boi que me fez sentir náusea ; Paguei e fui à um restaurante comer o que conhecia; O Akito tinha amigos que se reuniam numa farmácia chamada Fuji e lá tinha funcionários que freqüentavam um clube que falarei adiante . ( Um dos funcionário era o meu amigo de Marília chamado Odilon )


No trabalho era tudo muito estranho , acostumado com um ambiente e trabalho muito favorável, pois praticamente dominava tudo, e agora tinha que prestar muita atenção para não cometer erros e era cada um para si; O meu chefe ,Müller, era muito paciente e deixava que eu perguntasse muitas coisas triviais, porque os outros , ou davam respostas por cima ou simplesmente ignoravam e me fazia sentir revirar o estômago. Todo trabalho era executado sob desenho e depois de formado no SENAI , na oficina , tudo era feito conforme  amostra gastas ou quebradas e não tinha praticado trabalhar tudo sob desenho técnico.

SENTINDO MELHOR
Morando agora num quarto de apartamento e ambiente familiar , me senti muito melhor; O Akito me levava para conhecer lugares e amigos dele o que me aliviava da sensação de solidão;Uma noite choveu muito , e quando acordei ouvi barulho de água ocasionado por caminhão na rua e fui ver na sacada; Toda região do mercado estava coberto de água e depois vim saber que era comum acontecer; Muito devagar , fui me acostumando e conheci um clube de nisseis chamado Heibon,  próximo ao mercado central ; Gostei do ambiente e comecei frequentar jogando tênis de mesa que gostava muito.


Frequentei Heibon por muitos anos, que tinha uma sede pequena , mas promovia muito bailes , pic-nics e participava em torneios de tênis de mesa em muitas cidades além de São Paulo; Uma vez alugamos uma composição inteira de trem e promovemos um pic nic de quatrocentas pessoas em que levei os primos Yukio, Marina e Milton que tinham vindo morar em São Caetano pouco tempo depois de mim. Sempre que encontramos, nas conversas ainda é lembrado desse pic-nic.


WILLYS & FORD
Enquanto isso na firma que vou chamar de Willys daqui para frente, e depois de Ford , não estava fácil para mim trabalhar; Estava no meio de italianos, espanhóis , gregos e outros estrangeiros que já vieram com experiência e de outros que tinham passados por escolas como o Liceu, Getúlio Vargas e Federal; Quando  cometia erro me dava nó na garganta , revirava estômago, me deixava mal por bastante tempo; Mas, sempre tem o 'mas", e eu não era de repetir o mesmo tipo de erro e sempre fui bom observador ,e  fui aprendendo e melhorando cada vez mais, enquanto que os demais já se achavam no limite do conhecimento , eu tinha muita" estrada" pela frente. Teve um rapaz que me ajudou muito, e que , depois se tornaria um grande amigo chamado João Ascêncio Haro: 


Passados mais ou menos dois anos , dominava todo tipo de maquinas, e desenho técnico não eram mais segredo ;Como tinha habilidade manual trabalhei como ferramenteiro por um ano , quando fui promovido para o cargo de lider do pessoal de máquinas, aqueles que citei no parágrafo anterior; Houve tentativas de boicotes, ouvia alguns deles dizendo que quando eu não era nem nascido eles já conheciam o trabalho, mas aos poucos fui me impondo  e sem maiores questionamentos  tiveram que me aceitar..


Nessa época, em 1961, a minha família já estava morando em São Caetano , o que irei contar mais para frente, e um dia o meu Avô pediu para o meu tio Taketo , marido da tia Keiko leva-lo para conhecer a Willys e me ver trabalhando ; Como disse no início do meu blog, ele foi dirigente de uma indústria muito grande no Japão antes de imigrar para o Brasil; Levei eles para conhecer a ferramentaria que eu trabalhava e toda a fabrica, e se mostrou muito satisfeito em me ver lá;

ATAQUE FULMINANTE
Em menos de um ano , o meu Avô que tinha pressão alta,e já tinha tido ataque no coração , faleceu à caminho de um casamento da filha do irmão mais velho do Taketo-san; O tio Okinisan estava acompanhando-o quando o Avô começou sentir mal na Av. Domingo de Morais , desceram do ônibus e entraram numa clinica médica, mas não foi possível salva-lo, o ataque foi fulminante.

PREFERÊNCIAS
Apesar de eu ter tido convivência com o meu Avô enquanto morei junto até os meus 13 anos, hoje vejo o quanto me influenciou , seja no modo de ser intransigente , na necessidade de ser pontual , na postura , e em outros princípios muito rígidos; Quando fugi de casa pensei, agora estou livre para fazer o que eu quiser e ninguém irá me impedir; Porém uma vez livre , não tive nenhum interesse e nem aconteceu o que se imaginava poder fazer; Muitas coisas que eu me opunha , como ter que ser "nihonjin", preferindo ser como "gaijin", e gostar de ter mais amizades com gaijns tanto meninos como meninas, na medida em que ia me tornando adulto , via que meus sentimentos iam retornando às origens. Hoje me é possível ver que existem o lado bom e o lado ruim em ambas as culturas.

SEPARAÇÃO
Enquanto eu levava a minha vida em Marília e depois em São Paulo, estava muito desligado da minha família e achava que estaria indo tudo muito bem; Um dia , ainda vivo, o meu Avô estava de visita na casa do Taketo-san e me chamou para ir conversar com ele; Disse-me que estava fechando a loja, dividindo os bens e mercadoria e que ele estaria separando a minha parte; Apesar de surpreso com tudo que ele me dizia , independente de direito ou não , achei que eu não tinha que tomar parte nessa divisão e dispensei na hora; Depois vim saber que o movimento da loja tinha caído muito e resolveram dissolver a sociedade , porém na divisão dos bens o que coube a cada parte foi muito pequeno. Invariavelmente nessas circunstâncias surgem discussões e ressentimentos , mas eu estava fora e pouco soube .


Ao fechar a loja em Parapuã , a família que sempre esteve unida desde a vinda do Japão, se dissolveu e cada tio com a sua família foram  morar em cidade que achou ser mais conveniente na ocasião; Seguindo a tradição , os meus Avós foram morar com o tio mais velho, tio Keiti , em São Caetano do Sul , o segundo tio, o tio Kiyoshi , foi morar em Mogí das Cruzes e o terceiro tio, o tio Takeshi  foi para cidade de Piracicaba; Penso que devido ao modo como o meu Avô sempre conduziu os interesses familiares , de modo autoritário e direcionado para um só filho ,Kiyoshi, ocasionou desinteresse e acomodação aos demais , e principalmente total falta de conhecimento administrativo de comércio e de eventual emprego. Visto de fora, imagino que isso tenha levado às duas famílias , do tio Keiti  e do tio Takeshi, a uma dificuldade de sobrevivência enorme , agravados pela existência de filhos pequenos ,enquanto que para o outro tio, Kiyoshi, se houve dificuldade imagino que deve ter sido bem menor comparativamente.
MOTOCICLETA
O meu trabalho na Willys naquela altura tinha melhorado muito e meus superiores gostavam muito de mim; Como tinha aprendido operar em qualquer maquina , me convocavam para trabalhar em extra todas as semanas, além de todos os dias ficar até a noite; Com isso o meu hollerit (pagamento) vinha dobrado e não tinha como gastar porque almoçava e jantava na fabrica. Incentivado por um chefe italiano que gostava de moto , comprei uma moto importado da marca JAWA zero na loja Pirani ; As andanças de moto para todos os cantos que ia, irei contando pouco a pouco .Ainda nessa época , com o dinheiro das horas extras comprei uma casinha que o dono do apartamento onde morava tinha construído em Eldorado na zona sul e o próprio vendedor, um senhor japonês , me propôs de alugar para um inquilino: Depois de um ano achei melhor vender e comprar um apartamento em lançamento , o que acabei fazendo.

CIRCULO NOVAMENTE
Mesmo trabalhando muito, e frequentando o clube Heibom nas folgas , fiquei sabendo que um grupo de jovens nisseis de V. Mariana liderado pela família Harata tinham fundado um Circulo Católico Estrela da Manhã; Fui conhecer e falei que em Marília tinha pertencido num, e assim fiz amizades e comparecia em reuniões sempre que podia; Mais ou menos nessa época , o meu amigo Pedro Tojito que tinha vindo de Marília também, resolveu fundar outro Circulo na V. Prudente e convidou mariliénses circulistas participarem, incluindo eu; Aí aconteceu de alguém que não me lembro, me convidar para tomar parte de um grupo de rapazes vindos de Pres. Prudente que estavam alugando um apartamento e que tinha uma vaga; Maioria eram circulistas e iriam fundar um que chamaria Frei Bonifácio e usariam uma sala junto à capela do Largo São Francisco.


Com o convite me mudei para a república da Rua Tabatinguera e pela localização e grupo , optei em ficar no Frei Bonifácio; Mas pelas amizades continuei frequentando também o de V, Mariana e do V. Prudente; Como nos Círculos as reuniões eram aos domingos , podia frequentar o clube Heibom nas noites de semana;


Na república , éramos em oito sendo eu, Francisco, Nelson, Kenji, Shumio, Nariaki, Paulino e o Pedro, e nem todos eram circulistas, maioria vindos de Presidente Prudente e era local de encontros de muita gente, inclusive os fila boias; Todos eram estudantes menos eu; Maioria tinha emprego de subsistência, menos eu que na Willys tinha um salário razoável , andava de moto e podia ir aos restaurantes e cinemas ; Tínhamos uma cozinheira e sempre havia os fila boias que vinha na hora certa ; O meu local preferido para jantar aos sábados e domingos era a Santa Teresa que fica na Praça J. Mendes.

AERO WILLYS
A Willys foi pioneira em desenvolver modelos de carros próprio , como a Perua Rural, Aero Willys e Itamaraty que eram carros de luxo na época; Tive a oportunidade de ser escolhido por um gerente geral chamado Mário para executar trabalho de protótipos com prioridade total na ferramentaria; Sob a orientação dele e de vários engenheiros , o que eu precisasse, a ferramentaria toda estava a minha disposição; Nessas condições, trabalhar era muito mais prazeroso para mim que tinha aprendido a gostar de mecânica ;E a cada dois a três meses, quando abria o envelope de pagamento , estava lá o aumento sem que eu tivesse pedido , aliás , o que nunca mais fiz depois da Jacto.

MOTOQUEIROS
Num feriado de semana santa , depois de longo tempo só trabalhando , resolvi descansar , peguei a moto e viajei até Marília à 430 km de de São Paulo; Coinscidentemente um colega de trabalho disse que também viajaria até Marília e não acreditou que eu iria ; Aí marcamos encontrar num local e na hora marcada estávamos tomando
café juntos; Outra passagem com a moto foi quando fui visitar a minha família em São Caetano e já noite convidei o primo Milton para dar um passeio na garupa até São Paulo e me pareceu ter gostado muito ; Um domingo fui até Santos e quando estava na praia , encontrei a Tia Keiko com a família e depois de passarmos um certo tempo , saímos para voltar e o Tio Taketo com Ford V8 não conseguiu me acompanhar na serra devido as curvas e a tia ficou preocupada e disse que era perigoso; Fora essas passagens eu tinha dois colegas do Heibom, o Issamu Tanaka e Jorge Minami que, um tinha uma moto igual e o outro tinha uma Vespa e convidávamos colegas femininos de garupeiras e viajávamos sempre para outras cidades não muito longe . NA FOTO ACIMA, JORGE, EU E ISSAMU EM JUNDIAÍ , A CAMINHO DE ITÚ. NA FOTO ABAIXO , EU E O ISSAMU NA VIA ANCHIETA.

No tênis de mesa eu não era o melhor mas nem o pior e sempre participávamos em torneios de clubes de São Paulo, além de viagens de intercâmbios com associações de outras cidades; Nesse grupo participavam quatro irmãos da família Fujiwara, que eram muito amigos meus e frequentava o apartamento deles na Av. Mercúrio .

PROTÓTIPOS
No início de 1963 , o trabalho de  protótipos de câmbio do Aero Willys  estavam terminados e aprovados ; O Mário tinha comprado a briga porque a outra engenharia que deveria ter desenvolvido o novo cambio tinha falhado e como achou que a nossa tinha possibilidade fez a revelia e deu certo; Em seguida tinha que colocar em produção e para isso mobilizou toda engenharia , ferramentaria e produção e como eu sabia de todos os detalhes não me deram sossego até o final da implantação;


Trabalhei muitas vezes dia e noite , sete dias por semana sem descanso por vários meses ; Cada dia aprendia mais trabalhando junto com vários engenheiros designados pelo Mário; Por fim , depois de muito trabalho a mudança do modelo de caixa de cambio estava terminado e em produção.

PROMOÇÃO
Passado pouco tempo o supervisor me chamou e disse que estava me promovendo para a chefia da Ferramentaria; Não foi tanta surpresa porque tinha me envolvido tanto nos últimos dois anos em trabalhos que davam muita visibilidade ; Porém recusei e ele se espantou porque nunca teria imaginado, e quis saber o por que, pois era um cargo muito cobiçado .Muitos colegas , mesmo aqueles que sabiam que eu não gostava de mandar , por não saber de outra possibilidade que eu tinha, falaram que eu era bobo e que estava deixando passar uma ótima oportunidade. Expliquei ao supervisor que não gostava de mandar , o que era meia verdade e não podia explicar melhor o motivo maior naquela ocasião. O engenheiro Oda que foi a pessoa que mais trabalhamos juntos , tinha dito que me levaria para trabalhar com ele na engenharia em breve.

OPORTUNIDADE II
Como disse anteriormente, sempre gostei de mecânica e ambiente de fabrica , com aquele barulho, gente e cheiro característico que fica até impregnado na pele da gente:  Mas ao ter contato com os engenheiros , projetistas , ambiente de engenharia , e o trabalho envolvente, pensei o quanto seria interessante a junção e aplicação da teoria que os engenheiros conheciam, com a prática e o gosto pela mecânica que eu tinha.


Quando o engenheiro Oda me deu dica de que me levaria para trabalhar na engenharia , vi que surgira uma oportunidade para continuar aprendendo, abrindo mão de promoção para um cargo de chefia na ferramentaria que nunca tive muita afinidade. Não demorou muito , fui realmente transferido e foi mais uma virada de pagina na minha vida; Se tanto profissional como pessoal, a minha vida até naqueles momentos fora de muitas realizações , os acontecimentos posteriores foram de uma riqueza maior , agora acrescida de familiar , o que passarei a contar daqui para frente.




















sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Adolescência - Marília

SÃO PAULO, 01/10/2010.
MARÍLIA , SENAI E TRABALHO

Em Marília aos 16 anos começa nova fase da minha vida que considero que foi de uma felicidade imensa ;Conforme relatei anteriormente, quando estive em Marília a passeio num carnaval, já tinha ficado com vontade de ir morar, e agora estou eu aqui; Marília é uma cidade média que fica a 430 km de São Paulo, na alta Paulista e é muito bonita; O comércio é intenso com boa participação da colônia japonesa ; Fui morar numa pensão indicada pelo SENAI, onde já tinha alunos de outras cidades; A pensão que o SENAI mantinha para seus alunos bolsistas geralmente eram de famílias que tinham quartos vagos e queriam ter uma renda extra e o clima era bem familiar.


Eu me entrosei rapidamente com demais alunos e com a escola que era dirigido pelo diretor Prof. Clóvis
Tolentino ,uma pessoa "fora de série"; O ambiente formado pelos professores, instrutores, auxiliares e alunos era muito bom; O aluno bolsista era quase como internado pois passava a maior parte do tempo entre pensão e a escola sete dias por semana, e qualquer saída tinha que pedir autorização na secretaria; Tinha muitas formas de passar tempo como esportes, jogos e musicas e os bolsistas podiam permanecer à noite até 22 hs, além de sábados que ia das 8 as 13 hs; Eu aprendi a gostar de tênis de mesa e a maior parte do tempo de recreação ficava jogando ;

REALIZADO
Eu me sentia realizado em estar estudando no SENAI; Nunca me dei bem com estudos , como já relatei anteriormente , porém, no SENAI estudar era outra coisa ; Aliás, eu não precisava estudar matéria nenhuma fora da aula e minhas notas eram todas altas ; As aulas de oficina então as notas eram todas máximas; Gostava das horas de recreação à noite que ia das 19 até as 22 hs, três vezes por semana e aos sábados das 8hs até as 14 hs, em que me divertia jogando tênis de mesa, mas tinha mais vontade de ficar operando tornos ; Um dia eu vi chegando muitas peças de ferro fundidos e perguntei ao meu instrutor Vicentin o que eram aquilo, e a resposta foi que eram componentes de morsas usadas em bancadas de marcenaria que seriam usinadas na escola e seriam enviadas para uma escola que o SENAI  iria abrir em Rondônia; O meu instrutor me mostrou os desenhos e perguntei como seriam feitos .       ACIMA, FOTOS INTERNOS DO
                                                                                                           SENAI.


Passados alguns dias, me veio a idéia de querer eu a fazer o trabalho nas morsas ; Falei ao meu instrutor Vicentim que queria trabalhar no horário de recreação, e então falou com diretor que a princípio não foi à favor , dizendo que à noite não havia expediente e nenhum instrutor para me acompanhar ; Nessa época tanto os instrutores como o diretor já me conheciam como bom aluno e com a minha insistência abriram uma exceção permitindo-me .


Ainda não tinha conhecimento e nem experiência para iniciar sozinho o trabalho e durante o dia o meu instrutor me orientava , pois diferenciava das peças de aulas práticas ; Sozinho à noite na oficina que tinha visto primeira vez da rua, alunos mexendo em maquinas e que ficara deslumbrado ,agora estava eu me realizando.


Todos os alunos , bolsistas e não bolsistas , se divertindo à noite jogando tênis de mesa, basquete, ouvindo musicas e eu preferia ficar treinando na oficina; Ficar operando um torno para mim era mais prazeroso do que qualquer outra atividade que a escola oferecia, com exceção de uma noite por semana que podíamos ir ao cinema;

PREMIO
Gostava de operar máquinas , mas me dava bem também como ajustador que exigia habilidade com ferramentas manuais; Nas provas do ultimo ano de oficina , tirei notas máximas que ainda não tinham sido tiradas, e as peças foram enviadas para SENAI  Roberto Simonsen  em  São Paulo para exposição, e ganhei de prêmio uma conta poupança na Caixa Econômica que equivaleria hoje mais ou menos $ 100,00 .(guardo até hoje a caderneta e as peças que me devolveram);

AMIZADES
Das amizades que formei no SENAI  , ainda hoje mantenho contato com três deles que são o Pedro , Odilon , e o Makoto; O curso do SENAI era de 6 meses na escola e 6 meses de estágio em firmas , porém não me lembro o que argumentei mas no fim do primeiro semestre pedi ao diretor que me deixasse fazer seguidos o primeiro e o segundo semestre , o que ele concordou; Assim passei um ano estudando mecânica que não imaginava que iria gostar tanto;


Retornando um pouco no tempo, costumava ir visitar a minha família umas duas vezes ao ano, e passado um ano ou um pouco mais depois de ter saído de casa o meu tio Takeshi casou-se com a Yoko-san que morava em Osvaldo Cruz , cidade vizinha de Parapuã; A loja ia muito bem e a família decidiu ampliar. construindo um prédio bem maior num terreiro em frente ; E família aumentando com os nascimentos da Hiroko, da Geni, da Helena, do Edson, e do Nelson .

ESTÀGIO
No SENAI , depois de ter emendado dois semestres, era a vez de eu sair para estágio ; Muitos não conseguiam encontrar e ficavam sem fazer nada todo semestre, outros iam procurar algum trabalho, e os que eram bolsistas iam para suas cidades ;Eu não tinha para onde ir e a escola pagava a pensão só no período de aulas , ma isso não era problema pois tinha poupança e podia continuar ; No decorrer do segundo semestre, pensava à respeito do estágio e fiquei sabendo através de alunos de outras turmas que tinha uma oficina mecânica que era considerada muito boa, mas não aceitava alunos do SENAI; No primeiro dia do período de estágio me apresentei nessa oficina, que tinha vaga para torneiro , mas não disse que era aluno do SENAI e aí me indicaram um dos tornos e falaram o que eu devia fazer para o teste; Foi um teste simples mas com " pegadinhas " que na escola não se ensina, mas aí percebi o quanto valeu o trabalho extra que fiz na escola e as conversas que tivera  com instrutores que me tratavam mais como amigo do que como aluno.

OFICINA PARA ESTÀGIO
A oficina era da família Stuanni, e trabalhavam o pai e mais três filhos ; Lembro que na hora do teste eles ficavam observando o candidato de maneira a provocar insegurança e a erros; Fiz o teste, "mostrei" o que eles tinham visto como fiz, e em seguida me deram o que fazer já como aprovado sem falar nada , o que me deixou em duvida por um momento; Estava tão entretido no que tinha a fazer que somente depois do expediente é que as minhas fichas começaram a cair e aí não sabia se ria ou chorava ; Mais tarde , já bem entrosado com os meus patrões fiquei sabendo que a maioria dos candidatos ou desistiam no teste ou mesmo que tinham sido aprovado , não voltavam mais no período da tarde. A oficina com o pai e os filhos tinham muita experiência e aceitavam executar serviços complicados que traziam de toda toda a região  FOTO AO LADO, JÁ COMO TORNEIRO MECÂNICO..


À noite fui até a escola contar para todo mundo o que tinha acontecido, e todos ficaram admirados, inclusive o diretor que por saber que essa oficina não gostava de alunos do Senai, ficava muito" sentido "e queriam saber em detalhes como eu tinha conseguido. Falei que alunos quando chegavam nas oficinas diziam ser do SENAI ,dando a entender que sabiam tudo , mas na verdade não tinham prática nenhuma, e as oficinas não queriam saber de ter que ensinar a pratica.

APRENDENDO RÁPIDO
A vontade de aprender e a curiosidade era tanta que fui aprendendo rapidamente tudo que se fazia naquela oficina ; Cada dia aparecia serviço diferente e tinha que" quebrar a cabeça "para executar ; Na medida que ia chegando o fim do mês ia aumentando a vontade de saber quanto eles iriam me pagar de salário, e repetindo o que já tinha acontecido no primeiro emprego no armazém, depois que todos receberam , me chamaram e falaram que eu estava indo muito bem e disseram que iriam me pagar salário mínimo de maior; Naquela época o salário mínimo tinha sido instituído pelo Getúlio e era suficiente para uma pessoa sustentar uma família tranquilamente; Na volta para a pensão quem me viu na rua deve ter pensado que não estava regulando bem da cabeça pois ia saltitando e cantarolando como um bobo de tanta satisfação que sentia ;E o semestre foi passando rapidamente e tinha que voltar para terminar o último semestre do curso.


Esperei até o ultimo dia para avisar que teria que voltar para o SENAI terminar o curso; Ficaram muito surpresos e perguntaram porque não tinha dito antes ,e aí expliquei o motivo ; Não gostaram muito e tentaram me convencer que não precisava do SENAI porque ali aprendia muito mais, mas eu não tinha dúvida em voltar e terminar o curso; Argumentei que em 6 meses poderia voltar se eles quisessem , e aí falaram para mim pedir ao diretor que retardasse o meu retorno por uns 20 dias , o que o diretor concordou satisfeito ; Nesses 20 dias tiveram a idéia de me propor a continuar trabalhando à noite e logo que terminasse a aula iria até a oficina executar trabalho que passariam para mim, e ficar até a hora que eu quisesse. (aguentasse) Imagina que eu tinha 16 anos, hoje impossível.

TÉRMINO DO CURSO
Logicamente contei ao diretor que ficou admirado e preocupado por ser à noite e ser de menor , mas naquela época não existia violência de hoje e nem restrições ao trabalho de menor, e me liberou; Passei o semestre na escola de dia e a noite na oficina que ia até mais ou menos meia noite; Estudar e trabalhar, mesmo de noite era diversão, de tanto que gostava e assim terminei o curso e a festa de formatura foi maravilhosa. AO LADO , A MINHA FORMATURA NO SENAI., 1956.


Enquanto maioria dos formandos pensavam em procurar emprego , no dia seguinte da minha formatura estava trabalhando de volta na oficina dos Stuanni; Continuei trabalhando e aprendendo muita coisa:   Um dia trouxeram um pistão enorme de um motor diesel quebrado e percebi que o patrão aceitou em fazer um novo; Não conhecia detalhes técnicos de um pistão , mas sabia que não seria simples ,ainda mais daquele tamanho;Nesse trabalho vi realmente que eles tinham mais experiência do que pensava; Participei da elaboração e quando ficou pronto , o Pai disse para mim que pegasse o pistão e fosse até a cidade de Garça, pegasse um avião e levasse até a cidade de Dracena,onde os mecânicos esperavam para montar no motor que virava o gerador que abastecia eletricidade para toda cidade; Fazia muitos dias que a cidade estava no escuro e a população estava reclamando com o prefeito; Quando cheguei ( nunca tinha voado de avião e foi um fato inimaginável ) à noite, o povo ficou sabendo que estávamos lá para fazer o conserto e depois de dois dias ,a cidade voltou a ter eletricidade,e nos tratou como heróis.


Eu já era considerado da família e os Stuannis me tratavam muito bem ; continuei morando na pensão que o SENAI tinha me indicado, frequentando a escola nos horários de recreação, e os instrutores e os professores agora eram meus amigos.

CIRCULO CATÓLICO ESTRELA DA MANHÃ
Periodicamente ia visitar a minha família ,mas as amizades que tinha deixado em Parapuã ia se apagando, e formando novos em Marília; Foi quando recebi convite de um deles para conhecer uma associação chamada Circulo Estrela da Manhã , formados por jovens católicos, originário de um grupo de Baurú; Na primeira reunião que participei numa tarde de domingo , achei o grupo muito bom , gostei e comecei a frequentar; Era uma associação católica , mas bastante informal, promovia atividades sociais como intercâmbios, esportes, viagens, além de atividades religiosa como frequentar missas e rezas ; Havia mistura de nisseis e brasileiros com mais nisseis.


Na medida em que ia participando de todas as atividades na Estrela da Manhã, foi evidenciando a questão de eu não ter sido batizado ainda; Acho que quando morei em Pompeia com família Ceschin , muito católica, que queria me ver batizado , deve ter ficado alguma coisa na minha cabeça , e agora com um ambiente bastante propicio , fui batizado tendo como padrinho um amigo fotógrafo chamado Henrique e como madrinha uma amiga chamada Mary da associação, com o nome de Julio que eu mesmo escolhi.


Numa das visitas que fiz à minha familia , o primo Yukio que tinha 10 anos quis vir passar uns dias comigo em Marília e ficou na pensão ; Tinha combinado com o meu Avô que ele voltaria sozinho de trem com dia e hora marcado para chegar em Parapuã; Aconteceu de o garoto não querer ir embora de forma nenhuma, e de tanto insistir acabei deixando ;O meu Avô ficou aguardando o trem e nada do neto, correu os vagões e nada e não entendia o que poderia ter acontecido ;A partir daí ele ia esperar todos os trens que ia de Marília, até que passados uns dois dias fiz o garoto embarcar à força porque não queria.

VIDA BOA
A minha vida estava como tinha almejado , trabalhando no que gostava muito, ganhando bem, muitos amigos , numa cidade grande ; Duas vezes por semana íamos ao cinema com os amigos do Circulo e aos domingos depois da seção de cinema, juntávamos em turma e íamos ao lanchonete Brasserie da avenida Sampaio Vidal. Periodicamente o Circulo promovia encontros religiosos , sociais e esportivos com demais Círculos de outras cidades, além de eventos na própria sede ; Estávamos sempre em turma e como não poderia deixar de acontecer , surgiam namoros e até casamentos.


Ano 1958 , ano da Copa do Mundo, e eu era o único pensionista que tinha rádio no quarto; Jogos de semana , ouvia no rádio da oficina, e dos fim de semana todo mundo no meu quarto para ouvir o jogo ; Quando o Brasil jogou na final contra  a Suécia  e foi campeão, lotou o meu quarto e tinha gente na janela ouvindo; Foi uma gritaria e a farra continuou até à noite;


Passado cerca de um ano, veio um colega, Jorge Sato, ex-aluno do SENAI, que tinha ido trabalhar em São Paulo, e começou a nos contar como era trabalhar e viver lá; Todos nos , curioso queríamos ouvir ele falar de São Paulo , se era bom, e quanto ganhava de salário: Quando disse quanto era,  ficamos espantados pela diferença em relação ao que ganhávamos e  enchemos mais de perguntas; Tinha ouvido comentários de como era morar e trabalhar em São Paulo e antes de ir embora ele nos deixou convite para que se algum  de nos fôssemos , procurasse ele na pensão onde ele estava morando; Eu que estava satisfeito com o meu emprego , mesmo assim fiquei interessado e guardei o endereço dele;


Depois de passado uns meses, um amigo instrutor do Senai chamado Watanabe me falou que iria a São Jose dos Campos e que antes passaria por São Paulo e se gostaria de eu ir com ele; Lembrei do meu amigo chamado Jorge que tinha me deixado o endereço em São Paulo e topei de ir com ele ; Pedi ao Stuanni duas semanas de férias e lá fomos nós à São Paulo onde a minha tia Keiko morava; O meu amigo Watanabe pernoitou também na casa da tia e no dia seguinte seguiu para São José e eu fui procurar o meu amigo Jorge na pensão que ficava na Pça São Paulo.


Eu já tinha vindo à São Paulo uma vez à passeio sozinho , e apesar de ser menor , naquela época não havia nenhum controle e fui aos cinemas, viajei para Santos conhecer o mar e fiquei admirado com Rodovia Anchieta ; Fiquei hospedado na casa do Sunohara-san família da minha tia Keiko; No interior era comum ouvir comentários de pessoas que tinham vindo à São Paulo e ter se perdido e ter também caído no conto do vigário ou ter sido assaltado ao chegar na estação ferroviário; Sabendo desses fatos tomei os devidos cuidados e realmente percebi tentativas em cima de mim, porém , estava protegido.


Depois de um tempo papeando, o Jorge me disse que estava na hora de ir para o trabalho e me convidou a ir com ele e conhecer a Willys Overland onde ele trabalhava: A surpresa começou já no ponto de ônibus quando o Jorge me disse que iríamos num ônibus da  firma que ele trabalhava; Tudo era novidade para mim e depois de esperar alguns minutos na Pça. João Mendes, em frente de onde existia Expresso Brasileiro , chegou um ônibus Mercedes escrito Willys e em  40 minutos o ônibus adentrou numa fabrica enorme; Antes de me levar para conhecer a fábrica , fomos almoçar num restaurante do tamanho que ainda não tinha visto, cheio de funcionários vestido de macacão e reparei que não precisei pagar por ser visitante.

O INESPERADO.
Começamos andar pela fabrica, e a cada seção parávamos para conversar com o encarregado porque o meu amigo era muito conhecido; Achava a fabrica muito grande , com máquinas enormes e esquisitas que nunca tinha imaginado que existisse, cada uma com operador ,e aí comecei a perceber que o que eu conhecia de mecânica e máquinas não era nada; Depois de visitar muitas seções inclusive na que ele trabalhava , paramos numa que chamava ferramentaria, em que o encarregado que parecia alemão , chamado Müller me cumprimentou e começou puxar conversa e me perguntou o que eu fazia; Disse a ele que trabalhava numa oficina mecânica em Marília e aí ele apontou para uma três ou quatro máquinas e perguntou se conhecia, e diante da minha afirmação disse que eu iria trabalhar com ele : disse quanto seria o salário em horas que eu demorei para entender, me pegou pelo braço,me conduziu até o departamento pessoal ,que ficava longe , chamou um funcionário nissei chamado Luiz, e disse a ele que queria me ver trabalhando na semana seguinte na seção dele ; Despediu e foi embora enquanto o Luiz me passou uma lista de documentos que deveria providenciar; Pedi que me explicasse como poderia chegar no salário mensal, e quando percebi que com um pouco de horas extras nos sábados triplicava sobre o que ganhava em Marília.


Foi tudo tão inesperado , não tinha passado nem um dia, fui conversar com o Jorge que já estava trabalhando no turno dele ,e ele começou a rir, e eu fiquei perdido ;E agora pensei, vim com propósito de passar duas semanas de férias , conhecer São Paulo, nem imaginava em arrumar emprego ; Mas tudo que eu tinha visto até aquele momento tinha me impressionado muito e senti  que seria muito bom; Chegando à casa da minha tia , contei o que tinha acontecido e que estava voltando para Marília e estaria de volta para trabalhar na Willys na semana seguinte e moraria numa pensão na Liberdade ; O tio Taketo ainda tentou me persuadir dizendo que eu era muito novo para morar em São Paulo sozinho, mas não dei ouvido; Na mesma noite peguei o trem da Companhia Paulista e de manhã estava na oficina dos Stuanni pedindo a conta; Não gostaram  por ter sido de  "supetão" , mas eu tinha uma atenuância; Tempos atrás tinha levado o meu amigo Makoto que trabalhava em uma oficina que pagava pouco a trabalhar comigo; Sabia que ele daria conta ,e os Stuanni aceitaram-no e ia muito bem e gostavam dele; isso me facilitou por não deixar totalmente na mão e me liberaram .


Mais uma página virada que me deixaria muita saudade.