domingo, 26 de setembro de 2010

Pré-adolescência II - Pompéia

SÃO PAULO, 26/9/2010.
POMPEIA  II, FUGINDO.
A viagem de trem entre Parapuã e Pompeia à noite sozinho , com idade de 13 anos foi de uma intensa expectativa; Mil pensamentos ; Não teria caminho de volta; alias, esse foi uma das minhas preocupações que perdurou por muitos anos; E qual era a garantia para mim nunca ter que passar vexame de voltar como fracassado ? Reserva financeira e não ficar desempregado ;


Quase meia noite e o trem chegou em Pompeia; O normal seria me dirigir para a casa dos Ceschins , porém resolvi pernoitar num hotel próximo da estação na Rua Baurú e de manhã cedo iria para lá; Me colocaram num quarto onde já tinha um hóspede dormindo, e aí o medo não me deixou pegar no sono , pois ficar num quarto com um estranho e com dinheiro não tinha imaginado;


De manhã bem cedo já estava pronto ,( só tinha que lavar o rosto ) pagando o pernoite e como Pompeia é uma cidade pequena, logo estava batendo na porta da casa dos Ceschins; De cara perguntaram como estava chegando àquela hora , pois sabiam que não tinha trem àquela hora ,e então  respondi que tinha chegado à noite ,e que tinha dormido no hotel ; Primeira bronca , porque tinha ido para hotel  ao invés de ter ido direto para casa deles; A partir daí ,passei a ser tratado praticamente como  filhos deles em tudo .


Pompéia era (ainda é) uma cidade pequena com aproximadamente 20 mil habitantes , mas comparativamente bem maior do que Parapuã; A colônia japonesa era grande tanto na lavoura ,como no comércio e não tinha mudado muito de quando tinha morado antes de ir morar em Parapuã;


O pai dos meninos ,Hermenegildo, era radiotécnico e tinha uma oficina de concerto de rádios na rua principal da cidade, muito conhecido e respeitado ; Família toda católica praticante ,queriam me batizar ,porém não conseguiram me convencer, mas ficou uma sementinha plantada que mais tarde iria crescer; Ele era membro sócio do Rotary Clube e tinha bom relacionamento com pessoas de destaque da cidade.

PRIMEIRO EMPREGO.
Eu estava ansioso para saber do meu emprego,pois como disse anteriormente, era a preocupação e garantia de não ter que voltar para a casa; Com relutância perguntei ao Sr. Hermenegildo onde e quando iria começar a trabalhar, e ele calmamente disse-me que não precisava me preocupar, pois estava já conversado e de qualquer forma estava morando com eles; Não consegui me sossegar totalmente , mesmo tendo dinheiro que poderia me sustentar por muitos meses sem emprego;


No dia seguinte ele disse para me apresentar num armazém de secos e molhados de portugueses, muito grande , chamado Casa Lopes na esquina oposta a praça da Igreja Matriz; Lá, perguntaram o que sabia fazer num armazém , e respondi que tinha experiência como balconista ,e aí perguntaram se falava japonês e respondi afirmativamente; Enquanto isso eu observava empregados trabalhando no balcão, bicicletas de entregas, e tudo que já conhecia da loja da minha família; Então, um dos dono que estava me entrevistando disse que eu seria balconista e que deveria preferencialmente atender fregueses japoneses .


Assim , graças ao aprendizado que tinha adquirido na loja de casa desde 10 anos, mais a ajuda do pai dos meninos tinha o meu primeiro emprego antes de completar 14 anos; Me entrosei rapidamente como balconista e atendia quase todos os fregueses japoneses ; Quase porque tinha um balconista brasileiro que falava japonês e os fregueses o conheciam; O armazém era muito grande , tinha muitos empregados e mercadorias desconhecidos de mim que tive que aprender rápido ; Trabalhava com muita disposição e vontade.

AO LADO, PARTE DA CASA LOPES.


A minha satisfação era muito grande , e era tudo que desejava enquanto morava em casa ;Quando foi chegando o fim do mês , comecei a ficar ansioso para saber quanto seria o meu salário ; No dia do pagamento , depois que todos tinham recebidos, me chamaram e o meu coração parecia querer pular para fora do peito; Não foi o pagador e sim um dos donos que disse que eu tinha boa experiência e que apesar de ser de menor, pagaria salário mínimo de maior que na época era de $ 1800 ( de menor que tinha na época era metade) diferenciando dos demais por falar em japonês ; Não dá para descrever o tamanho da alegria que senti e fui em disparada para casa (agora a minha casa) contar e agradecer;


Voltando um pouco no tempo, duas semanas depois de ter fugido de casa , meu Avô mandou o meu tio Kiyoshi, falar comigo e a primeira pergunta que me fez foi porque tinha fugido; Sentimento de incompreendido e raiva tomou conta de mim e caí em convulsão de choro; Quando comecei a me recuperar, ainda com dificuldade , consegui explicar que essa pergunta não tinha sentido , porque eles sabiam, pois tinha dito muitas vezes e que tinham zombados de mim; Ele sempre foi o mais  ponderado comigo e disse que entendeu e que se não quisesse mais voltar , que fosse pelo menos conversar com os Avós.

VOLTA
No domingo seguinte peguei o trem e voltei para conversar com o avô ; Em Parapuã muita gente me conhecia porque estava sempre andando de bicicleta e também porque tínhamos a loja e nas ruas queriam saber se tinha voltado; Outros nem perguntavam, achando que com a idade que tinha , só tinha que ter voltado mesmo; Foi um dia de muitas explicações porque pessoas queriam saber o motivo da minha fuga, para onde tinha ido e se tinha voltado; À tarde passei junto com meus amigos que queriam saber em detalhes como tinha planejado, e muitos deles se mostraram vontade também. Fiquei sabendo depois que alguns tentaram , mas todos voltaram; No meu caso tinha o dinheiro da poupança ,experiência no trabalho e emprego arrumado , enquanto que outros tentaram sem nada, mas também sem o orgulho de voltar.


Em casa ,quando a minha Avó me viu deu de chorar ,dizendo que não deveria ter feito, e falado antes ;Como ela não convivia muito com assuntos da loja, ocupado mais com trabalho domestico , e não havia muito diálogo com o meu Avô, não entendia e ficava inconformada; Quando disse que tinha voltado só para conversar,e que iria embora novamente ,não se conformou; O meu Avô entendeu e sabendo onde eu estava morando,. disse para mim que se era isso que eu desejava , que fosse e que voltasse sempre para visitar; À noite peguei o mesmo trem de quando fugi  e voltei para Pompeia.

READAPTANDO.
Sentia muito animado , mas por um bom tempo curti muita saudade de tudo e de todos ( família, amigos e do que fazia) de Parapuã; No começo ia visitar uma vez por mês , depois com o passar do tempo foi diminuindo na medida em que ia criando novas amizades e diversão em Pompeia; Os Ceschins eram sócios do clube recreativo e me colocaram como sócios e passei a frequentar  piscina que era muito legal ;No clube fiz muitas amizades nos encontros de domingo à tarde.


A Dona Rosalina , mãe dos meninos me tratava igual aos filhos ,e portanto apesar de pagar pensão, tinha que dividir as tarefas de casa como arrumar a cama, encerar e passar escovão nos assoalho, tirar água do poço ,lustrar moveis, etç.; Ela era ótima boleira e sempre tinha encomenda, e com o material que sobrava, fazia outro para nós; Ajudava bater a clara de ovos e quando pronto, eu  ia entregar.

TRANQUILO ATÉ QUE,
Estava correndo tudo tranquilamente , até quando soube que os donos do armazém tinham vendido para outros portugueses , concorrentes, que tinham a Casa Alves Veríssimo na cidade; No meio de boatos de  quem seria aproveitados ou não pelos novos patrões, estava eu agora totalmente intranquilo ; Comentei com o Sr Hermenegildo obre a venda do armazém e dos boatos e ficou surpreso com a translação  , mas quanto aos boatos simplesmente ignorou; Passado alguns dias fiquei sabendo que o balconista " japonês "que trabalhava com eles viria me substituir; Faltou pouco para mim entrar em pânico, me vendo voltando para a casa dos meus avós envergonhado;

DESEMPREGADO
Quando realmente fiquei desempregado, e já muito desanimado, o Sr.Hermenegildo  disse me que não me preocupasse, e os filhos e a Mãe a mesma coisa; Pensava, mas como ? Passado uma semana, ele chegou à mim e disse para me apresentar na Indústria Jacto às 7 hs de segunda feira ; Não tinha ideia de como seria trabalhar numa indústria metalúrgica e passei o fim de semana só pensando na hora de me apresentar .

SEGUNDO EMPREGO.
Na segunda feira bem antes das 7 hs estava na porta da fábrica , e depois que todos tinham entrados ,o encarregado,um senhor japonês que não lembro o nome, fez algumas perguntas, indicou uma vassoura e disse que todas as manhãs começasse varrendo todo galpão ; Terminado, era para ajudar quem estivesse precisando.

JACTO
A Jacto tinha muitas máquinas e empregados ,barulhos que não conhecia e fabricava pulverizadores de pó de inseticida para cafezal ; Primeiro dia foi um misto de cansaço e alivio por estar novamente empregado ; Quando me puseram para ajudar um soldador , fiquei exposto a luz de solda o dia todo e a consequência foi o meu rosto queimado como se tivesse me exposto ao sol de verão na praia e meus olhos parecendo estar cheio de areia que duraram uns três dias. O dono era o Nishimura-san, um senhor muito sério que passava pela fabrica , mas não permanecia.


Como no emprego anterior, até o fim do primeiro mês não sabia quanto iriam me pagar de salário e a minha expectativa era muito grande ; A diferença era que nesse não tinha nenhuma experiência e achava que não deveria esperar muito; Quando chegou dia de pagamento , o contador me perguntou quanto ganhava no emprego anterior, e quando falei o valor , simplesmente disse me que seria o mesmo; Me deu vontade de sair pulando e correndo de tanta alegria que sentia,

Aos poucos fui me adaptando , e começando a gostar; Passados uns três meses ,deixei de varrer e ajudar nos trabalhos mais elaborados ; poucos meses depois me puseram para trabalhar na montagem de caixa de engrenagens de pulverizadores em iguais condições de outros empregados adultos no trabalho , mas não no salário; A cada dia a minha produção aumentava , até que em pouco tempo tinha ultrapassado  dois que faziam o mesmo trabalho;

AO LADO , A INDÚSTRIA JACTO.
 

PRODUÇÃO X SALÁRIO
Como estava conseguindo manter sempre mais produção dos demais, e o encarregado sabia, comecei a achar que deveria ganhar igual a eles também e falei com ele; A reação dele foi de me chamar de impertinente  por eu ser ainda criança e querer me igualar aos adultos; Não me conformei ,mas quando recebi o salário no mês seguinte , tinha vindo com aumento que se não era igual , era muito bom;


Com o tempo, comecei a me interessar por máquinas , principalmente em tornos, e queria aprender ,mas não me deixavam dizendo que eu ainda era muito novo; Quando podia, ficava observando os torneiros torneando peças e cada vez ficava com mais vontade; Um dia estava trabalhando e vi que chegaram umas meia dúzia de garotos , e logo foram pegando em maquinas , inclusive em tornos; Fiquei surpreso pelo que estava vendo e perguntei ao encarregado quem eram os garotos e porque eles podiam mexer em maquinas ; Ele respondeu-me que eram alunos do SENAI; Não entendi, e perguntei o que era SENAI , e aí ele me explicou que era uma escola de aprendizado de mecânica; Não imaginava que poderia existir escola de mecânica, pois para mim escola era só primário, ginásio , etç;


Aí aguçou a minha curiosidade , e queria logo saber onde ficava essa escola e fui perguntar para eles e fiquei sabendo que vieram fazer "estágio" , e o que era estagio ? perguntei; Depois de ouvir explicações deles fiquei num estado de ansiedade de vontade de frequentar "essa escola"; Fiz muitas perguntas aos meninos e não tinha dúvida de que iria conhecer o SENAI.

ESCOLA SENAI
Daí duas semanas pedi folga de um dia no trabalho e fui até Marília conhecer e me informar o que teria que fazer para me matricular no SENAI; O que vi quando cheguei em frente da escola me deixou extasiado de tão bonito que achei, além de ver alunos da minha idade de uniformes, operando diversas máquinas através de vidraças  enormes que dava para a rua. Na secretaria me disseram o dia que deveria voltar para fazer exame e que dependendo da nota , ganharia bolsa que a escola pagaria para pensão onde ficaria morando para quem era de outra cidade.


Nunca  tinha imaginado que existisse escola de mecânica ,e que fosse de graça e ainda pagasse bolsa p/ pensão; Tinha poupança que poderia ficar bom tempo sem ter que trabalhar, mas quando me falaram da bolsa , aí não poderia querer mais nada; Era só esperar o tempo passar até o dia da prova;

LIBERDADE
Enquanto isso , morar em Pompeia era muito legal, pois tinha a minha bike, clube com piscina, cinema, dinheiro ganho com meu trabalho sem ter que pedir como era em casa ,alias, não era só não gostar de pedir dinheiro , mas não gostava de pedir nada para ninguém ; Ter liberdade de poder comprar o que eu quisesse era o sentimento de satisfação maior, provavelmente por ter na infância, passado por muita restrição como descrevi  anteriormente; O que eu desejava, quando vinha,demorava tanto que tinha passado a vontade e muitas coisas eram impostas sem eu querer ,um dos vários motivos que, como já disse ,me levou a fugir de casa.


Morávamos no fundo da oficina de rádio e o vizinho da esquerda era uma confeitaria da família Hanada; Algumas vezes eles comentaram que o meu padrasto estivera na confeitaria e perguntara de mim; Não sei como soube que morava em Pompeia , mas nunca me procurou e eu nunca mais soube de meus meio e meia irmãos e irmãs.

APROVADO NO SENAI
Passados alguns meses , chegou o dia de ir fazer a prova de avaliação no SENAI; Tinha parado de estudar depois do primário e não sabia se teria chance de conseguir a bolsa; Achei que foi fácil e voltei esperançoso; Passados mais de um mês e nada de chegar a carta que ficaram de mandar, então deixei passar mais uma semana e voltei ao SENAI  para saber , quando disseram que tinham mandado; Descobri que tinham mandado para casa em Parapuã e não sei porque tinha dado aquele endereço; Mas soube na hora que eu tinha sido aprovado e que as aulas tinham começado e eu ia começar atrasado;


Que alegria , voltei no primeiro ônibus que tinha para Pompeia , contei à família Ceschin e no dia seguinte pedi a conta na Jacto ;Expliquei dando satisfação ,agradeci pelo tempo em que pude trabalhar na Jacto, e igualmente falei para a família Ceschin que me acolheu tão bem; Não me lembro se foi no dia seguinte ou mais , mas logo estava me apresentando no SENAI; Aqui termina mais uma fase da minha infância onde deixei muitas amizades , e levei muitas saudades .



terça-feira, 7 de setembro de 2010

Pré-adolescência I - Parapuã

SÃO PAULO, 07/9/2010.
PARAPUÃ.
Parapuã me traz lembranças alegres mas também  de algumas  tristezas ;Por alguma razão a mudança de Pompeia para Parapuã não ficou gravada na minha memória, e nem o início da nova morada ; Começo lembrar de fatos depois de já ter passado algum tempo , quando a loja+armazém , que vou chamar só de loja  estava em funcionamento; Havia um clima de muita expectativa e disposição na nova empreitada. Engraçado é que ,a loja do Kawauchi-san chamava-se Casa Pompeia ,e a nossa foi dado o nome de Casa Marília.


A cidade de Parapuã era pequena , com 4 a 5 mil habitantes , ruas de terra e nem guia tinha ; O trem da Companhia Paulista tinha chegado há pouco tempo e o comércio pequeno ; Tinha uma rodoviária ,onde os ônibus  deixavam e levavam viajantes, uma praça com igreja ,um serviço de alto-falante que tocava musicas e propagandas do comércio, um cinema,e uma estação ferroviária;

LOJA
As vendas do armazém era acompanhados com ansiedade pelo Avô e Tios diariamente ; Sábado era o dia de melhor movimento, e no fim do dia, se as vendas tivessem sidos bons, eles me mandavam comprar sorvete e comemorávamos.

Ao lado a loja de e no fundo a moradia,


Aos poucos iam adquirindo experiências ,e a parte da loja ia ficando com mais variedade além de ferragens; No armazém, o mais velho dos tios ,Okinitiam, é quem se deu melhor como balconista e os fregueses gostavam e procuravam ele chamando de Baixinho; O Kiyoshi e Takeshi  ficavam na parte de ferragens e presentes ;Com o passar do tempo estávamos vendendo bicicletas, máquinas de costurar, rádios ,máquinas fotográficas , etç. ;  Havia um clima de concorrência que , apesar de eles mesmo terem sugerido irmos  morar lá , era inevitável e começava interferir no relacionamento entre familiares .

ESTUDO E TRABALHO
Nessas alturas, estava com onze anos ,e no quarto e último ano do primário; Após as aulas, já trabalhava tanto no armazém como na loja atendendo fregueses ; Além disso eu  varria tudo até a calçada; Depois ir nas casas de fregueses, de bicicleta perguntar o que precisavam , anotar num caderninho e fazer entregas em domicílio.;Gostava do que fazia e para mim não era trabalho, pois nem me lembro se fazia mandado pelo meu Avô ; AO LADO , EU, A BICICLETA DE CARGA E O BONÉ.


Em 1950 terminei o quarto ano primário e a cerimônia de formatura dos formandos com suas madrinhas, foi muito bonita; A minha madrinha foi a Dna Judith, esposa do farmacêutico que eu a convidei e ganhei dela de presente um álbum de fotografias que tenho até hoje; Na época, maioria dos  professores eram de outras cidades, ficavam hospedados em hotéis e nas férias iam para casa deles; Eram muito respeitados na cidade e acabavam se casando entre eles ou com moradores da cidade;


Após término do primário , a primeira tarefa de manhã era bombar manualmente água até encher uma caixa d'gua, e depois o "ofuró";  As oito horas ir ao correio levar e trazer correspondências de bike. Depois no decorrer do dia ajudava na loja como balconista, e as seis horas pegava um ônibus que vinha  de Tupã, e ia até cidade de Osvaldo Cruz à 10 km, estudar numa escola de comércio ,que Otootian tinha me matriculado; Nessa cidade morava uma família chamada Fukunaga ,parente de Nishikawa-san ,que o Avô gostava, e tinha pedido para que após a aula deixasse eu pernoitar na casa deles e retornar somente no dia seguinte de trem.

BICHOS E CHAPÉU.
Gostava de ter os meus bichinhos e tinha papagaio, coelho , canários e gatos ; O papagaio vivia no meu ombro e gostava de comer amendoim que tinha na loja para vender;
O meu Avô me obrigava usar chapéu sempre que saia de casa, o que detestava, pois nenhum de meus amigos usava( este era uma das muitas coisas que os meus avós me impunham ,e que detestava) e um dia quando voltava de trem de manhã de Osvaldo Cruz , botei a cabeça fora da janela com o chapéu e fiz com que o vento o levasse ; assim fiquei livre do chapéu até quando cheguei em casa; Ao chegar , a primeira coisa que o Avô percebeu e perguntou foi onde estava o chapéu; Expliquei o que tinha acontecido, e o que ouvi foi que ele chamou a tia Mitian e pediu que fosse comprar outro ; Detalhe; não era chapéu barato .

MORADIA
A nossa casa ficava no fundo ligado à loja; Comparando com a casa do sitio, havia melhora sensível ,pois era de alvenaria, com bomba ,caixa d'agua e torneira na cozinha; Mas o fogão era à lenha e ainda sem esgoto e com cisterna ; Um dia aconteceu de Okinitiam observar que o ofuró não tinha agua ,e me chamou à atenção , e aí retruquei que tinha enchido sim; Chamou-me de mentiroso e outra vez afirmei que tinha enchido e que não iria mais bombar; Ele então resolveu encher e eu teria ficado como mentiroso; À tarde quando foram ascender a lenha para aquecer a agua do ofurô , cadê agua ? ; Aí viram que havia um furinho na parte onde ficava o fogo ; Um fato bem lembrado até hoje.

BICICLETA
Gostava muito de bicicleta, e a minha não deixava ninguém pegar ;Tinha uma que  era de carga com um bagageiro maior na frente e outro na traseira , e a outra comum era o meu xodó ,que quando não tinha que ficar na loja vivia montado nela; Um dia ,estava indo para estação ferroviária, e numa descida um trator estava aplainando a rua e a sua lâmina tinha deixado uma linha de terras ; Chegando perto do trator , tentei cortar a terra ,porém havia pedras e quando a roda dianteira bateu numa ,voei e caí sobre as pedras com o braço no peito; resultado, braço fraturado próximo da munheca e o meu xodó retorcido .


Meu Avô ordenou a tia Mitian que me levasse até a cidade de Bastos , e lá ela procurou um senhor judoca ,faixa preta que me examinou ,deu um puxão pelo braço que doeu mas disse que colocou no lugar e me enfaixou ; Custou 40 dias com tipoia mas pouca coisa deixei de fazer nesse tempo, com exceção de que não podia escrever e portanto não estava conseguindo acompanhar as aulas e como desculpa deixei de ir, perdendo o ano; Na verdade iria repetir de qualquer modo e a quebra veio numa boa hora,porque não gostava de estudar , matava aulas para ir ao cinema, sem que a família soubesse .


Bicicleta era melhor diversão minha, mas sempre vinha na cidade parque de diversões ,circo, o Padre organizava quermesses ,tinha  cinema com seriados nos matinês que não podia perder; Um dia meu tio comprou um motor de adaptar na bicicleta que adorei; Aí era para cima, para baixo queimando gasolina; De manhã bem cedo e à noite quando não estava na rua ,gostava de ouvir programas de rádio , ficar procurando estações ; De manhã ficava ouvindo programa de valsas de uma estação de Curitiba e de noite estações do Rio em ondas curtas; novelas como o Direito de Nascer e Jerônimo o Herói do Sertão.

DISCRIMINAÇÕES..
Em casa sempre ouvia comentários sobre o Japão versus Brasil e japonês versus brasileiro no sentido de comparações ; tudo que era do desagrado era porque acontecia aqui, mas no Japão não aconteceria ; brasileiro não presta , em casa tem que falar japonês ,ouvia, e isso começou a me incomodar porque eu tinha amigos brasileiros e nisseis e  não via diferenças , e preferencialmente tinha mais amizades com brasileiros do que com nisseis.


Dos três tios mais o Avô ,o que mais me incomodava com  comentários  sobre essas discriminações era o tio Takeshi; Meu Avô era preconceituoso e fazia comentários mas não implicava comigo; Além disso o Takeshi  tinha modo de querer impor idéias pessoais sobre os demais e isso sempre acabava em discussões; Comigo era com bastante frequência porque não admitia e retrucava o com ironia, e aí ele queria ganhar na força física; Esse clima me levou a renegar o fato de ser filho de japonês por muitos anos e somente quando atingi a idade adulta foi que a minha cabeça voltou a realidade e saber reconhecer o que tinha de bom em ambas culturas; E ai inclui-se preferências pelas brasileiras 

COMPORTAMENTO
Um dia esse tio resolveu ir para São Paulo .e não disse para ninguém de casa ; Também ninguém ligou pela ausência porque não gostava de participar no dia a dia da loja e com idéias próprias que não combinava com os demais; Depois de alguns dias reapareceu sem comentar nada ;Passado cerca de 20 dias começaram chegar via férrea, mercadorias em caixas ,de fornecedores de São Paulo,sem que ninguém pudesse entender; Eram mercadorias que não tinha perspectiva de venda e que tinham "empurrado" para ele na visita que fizera na ida a São Paulo ; O Avô desconfiou  e chamou atenção dele  sobre o que ele tinha feito e aí reagiu com violência verbal; Eu sem querer ,vendo o barulho dele,dei uma gargalhada ; Instantaneamente virou e avançou sobre mim e então corri; Entrei no meu quarto e não deu tempo para trancar e pulei pela janela; Ele veio com muita força e bateu na porta que caiu quebrada;


Esse clima somado a vontade de poder ter as coisas por minha conta ,sem ter que ficar pedindo, .começou a me "encucar" em fugir de casa; Imaginava trabalhar num emprego , ter dinheiro meu e poder fazer o que eu quisesse, passou a ser uma ideia que não saia da minha cabeça, principalmente quando ouvia comparações entre Brasil e Japão e discriminações . Penso também que outros fatores pesaram para que idéia de sair de casa fosse somadas ,pois lembro que cada dia aumentava uma sensação de tristeza e crise de choro; Meus Avós me perguntavam porque estava chorando e não sabia responder , mas na verdade não me sentia bem no ambiente de casa.

AMIGOS
Nessas alturas eu já tinha amigos e divertíamos muito apesar de trabalhar na loja; Alguns nomes que lembro são Edmur ,Talarico, Jose Antonio, Alvaro, Vandir, Fumiharu(irmão da tia Hanako) , José Maria entre outros. Gostava de mexer na mecânica de bicicleta até que aprendi fazer manutenção e consertar; Vendíamos bastante bicicletas que era moda e quando quebravam, vinham me procurar para consertar e cobrava; Assim comecei a ganhar dinheiro que era colocado numa caderneta de poupança que tinham aberto para mim.  NA FOTO COM EDMUR E TALARICO.

RADIO A BATERIA
Outra coisa que me lembro são os rádios à bateria que a loja vendia , que nos sábados os lavradores vinham comprar; Eu ia entregar no domingo, levando antena tipo arame mais os isoladores e instalar no telhado ; Já tinham lugar reservado para o rádio e a bateria na sala; Muita gente aguardando ansiosa e quando começava a ouvir, a alegria daquela gente simples e humilde era uma só; Depois me serviam café com aquele pão enorme feito por eles mesmo que era uma delícia e guardo até hoje o sabor.

Acho que foi nesse ano que a tia Keiko casou-se com Taketo-san e foi morar em São Paulo; Lembro que o Nakoodosam ( Casamenteiro) promoveu encontro das duas famílias em casa ,quando acertaram o casamento que aconteceu em São Paulo.

SONHOS
Fora de casa me sentia bem ,tinha muitos amigos ,brincávamos bastante até tarde da noite; Tinha hora para chegar em casa ,e quando passava, o meu Avô ficava me esperando sentado na sala para dar bronca ; Um dia o tio Takeshi invocou comigo(o que era comum) por algum motivo que não me lembro , e reclamei com o Avô que se continuasse eu iria embora de casa; Ouvi risadas dos demais tios , e comentário de que iria morrer de fome;


Daquele dia em diante ,fugir de casa passou a ser obsessão e a cada acontecimento semelhante ,a vontade aumentava; Estava com 12 para 13 anos e imaginava como deveria ser bom ser livre, ter e poder fazer o que quiser sem dar satisfação à ninguém, enfim, sonhava por isso. Comecei a imaginar como poderia conseguir ,uma vez que sair numa boa não iriam me deixar.


Pajear criançadas primos era outra coisa que fazia e tinha o Yukio, Hideko, Hitoshi, Mitsuharu e Hiroko, todas entre dois a cinco anos, uma vez que os adultos estavam ocupados .

CARNAVAL EM MARÍLIA
Dentre vários amigos que tinha , o  Vandir, tinha uma tia em Marília e me convidou para passar carnaval lá; Pedi ao meu Avô que sabendo da amizade que tinha com o Vandir deixou e fomos viajar; Divertimos bastante com os primos dele no carnaval de rua que eu não conhecia; Mas o que me chamou atenção foi que a cidade era grande e via muitas lojas , armazéns e muitos garotos da minha idade de bicicletas de carga fazendo mesmo trabalho que fazia em casa; Lembro bem que pensei como gostaria de morar lá trabalhando como eles;

DIA DE FINADO
Como fazia todos os anos, no dia de finado, meu avô me mandava  visitar o túmulo da minha Mãe em Paulópolis , perto de Pompeia; Depois me deixava   visitar os dois irmãos , meus amigos Ceschin em Pompeia , passar o resto do dia brincar e ir no matinê ; Numa dessas idas, no caminho para matinê  comentei que gostaria ,se pudesse, voltar a morar lá; Chegando de volta na casa deles, os dois comentaram com os pais deles que eu queria voltar a morar em Pompeia; Aí disseram para mim que fosse morar com eles ; Brincadeira , falei, mas eles levaram à serio e insistiram ; Disse a eles que tinha feito só comentário,e que não tinha onde trabalhar para me sustentar; Aí , o Pai deles me disse que iria arrumar emprego e me avisaria, e assim que chegou a hora do trem  fui embora ainda sem pensar muito à serio. .

A SURPRESA
A vida de rotina ia passando até que passados uns 20 dias da volta de Pompeia, no correio, abri a caixa de correspondência e  vi uma carta endereçado à mim, o que não era comum; Vi o remetente e era de um dos Ceschin e quando abri ,dizia que era para eu ir morar com eles que o emprego para mim estava arrumado; Ainda demorou alguns dias para cair a ficha , mas de cara fiquei preocupado sem saber o que fazer; Um misto de alegria e medo;

PLANOS
À partir daí a minha cabeça virou um turbilhão , só pensando como iria fazer para concretizar a minha saída de casa; Faltavam dois meses para fazer 14 anos; Não disse para ninguém, nem mesmo para o meu melhor amigo Edmur; Mas aos pouco fui me acalmando,e começando a pensar ; Primeiro, que a solução era fugir, e depois tinha que arrumar dinheiro, roupas, e como sair de casa sem ser percebido nem da família , nem do pessoal da cidade.


Lembrei que tinha uma caderneta de poupança com algo como $ 3mil de hoje mas que eu não tinha acesso ;Era dinheiro que ,quando vinham visitas , como única criança em casa,  me davam trocados , mas meus Avós me obrigavam a colocar no cofrinho , juntar e levar para poupança; Mas nessas alturas ,  guardava  bem mais com ganhos consertando bicicletas; Era meu mas , como disse, não tinha acesso ,e precisava daquele dinheiro para por em pratica o meu plano; Enquanto isso ia pegando algumas roupas sem despertar a minha Avó da falta; Aí me veio uma ideia que foi o seguinte; Eu já sabia abrir o cofre da loja quando o rotor do segredo era deixado  na posição de abertura rápida, mas quando apagado todo,  não sabia; Muito disfarçadamente quando percebia que um dos tios ia abrir , ficava bem próximo ,tentando ver em que número parava na primeira volta ,e quando conseguia ,ficava de olho de lado para ver a segunda, e o terceiro já sabia que era deixado para abertura rápida; Num domingo de tarde ,quando não tinha ninguém na loja , tentei e consegui abrir , isso depois de ter passado uma semana observando os tios abrirem.


Agora que o dinheiro e as roupas estavam garantidos , tinha que pensar em como fugir; Continuei pensando mais ou menos uma semana quando se instalou um parque de diversão num terreno bem em frente da loja; Aí me veio a ideia de num domingo à tarde deixar tudo pronto , ficar no parque com meus amigos até a hora de trem passar e no meio do barulho de alto falante , iria sair de fininho até a estação de trem;

EXPECTATIVA
Me lembro ter passado a semana numa expectativa incrível , a minha cabeça estava a mil; Enfim chegou o domingo tão demorado, e o trem passava as 20 hs; Já noite ,peguei a caderneta de poupança e vi quanto eu tinha; abri o cofre e troquei a caderneta pela mesma quantia em dinheiro, depois subi por baixo do telhado da garagem e apanhei a mochila de roupas e sapatos : Avisei o meu amigo Edimur que estava no parque, que não acreditou ,e pedi para que quando o meu Avô me procurasse  na casa dele, e isso eu tinha certeza ,explicasse para onde eu tinha ido e que não se preocupasse que um dia voltaria para conversar. Peguei uma charrete de aluguel até estação ferroviária , e no caminho fui tendo  sentimentos que não sei descrever, e às 20 hs embarquei no trem que me deixaria em Pompeia.


E assim Parapuã ficou para trás , e uma pagina da minha vida ficou gravada na minha memória.

INFÃNCIA IV - Pompéia

SÃO PAULO, 09/9/2010:
MORAR NA CIDADE.
Com a mudança para cidade e morar na casa do tio Kiyoshi-nisam e da tia Hanako-san foi uma mudança razoável; Morar numa casa com luz elétrica , assoalho e forro, além de ser numa rua , mesmo sendo de terra,e muitos vizinhos me deixou entusiasmado;


Meu Tio ia diariamente trabalhar e aprender o comércio e para mim tudo estava ótimo,pois a escola ficava perto, comecei a fazer amizades com crianças dos vizinhos , matinês no cinema aos domingos com amigos ; Uma vez por semana , minha tia me acordava cinco horas da manhã para ir com ela fazer feira que ficava na praça da Igreja Matriz .


Retornando um pouco no tempo, antes dessa tia casar , a família dela , Kawaushi , resolveu mudar para uma cidade mais para o interior chamada Parapuã e como nós tínhamos caminhão , transportamos a mudança ; Estrada de terra ,apesar de não ser muito longe ,demorou,e chegamos somente à noite; Lembro que a futura tia era simpática e me dava muita atenção e depois daquela compota de figo que não esqueci mais , na hora de iniciar a volta ela me deu uma tartaruga que ficou conosco por muitos anos.


Ficamos morando em Pompéia mais ou menos um ano ,tempo que foi suficiente para o meu tio assimilar a prática de comércio e ao mesmo tempo receber sugestão da família Kawaushi para ir também para Parapuã abrir comercio; Nesse período , não sei exatamente se foi ainda em Pompéia ou já em Parapuã nasceu a Marina ;

FAMÍLIA CESCHIN.
O meu Avô , além do que já contei como ele era , discriminava   brasileiros e acompanhava as minhas amizades ,sem proibir, porém nas conversas havia insinuações pejorativas ; Fazia exceções quando ele mais de perto observava que uma determinada família educava seus filhos dentro dos padrões que ele aprovava; Assim ,em frente da nossa casa em Pompéia morava uma família chamada Ceschin, cujos pais eram bastante rigorosos com seus dois filhos que tinham quase as mesmas idades minha; O primeiro era Jose Antonio e o segundo Vanderlei ; Quando estava na casa deles brincando , ou quando pedia para deixar ir ao matinê com eles ,ele deixava, além de permitir que ficasse até tarde contanto que fosse com eles ; E também os pais deles gostavam de mim.

CRIATIVIDADE INFANTIL.
Na casa em que morávamos tinha um terreno e um dia inventei de montar um parquinho que tinha diversos brinquedos do tipo que é montados nas quermesses de igrejas como pescaria, derrubar latinhas atirando bolinha , e para entrar e participar tinha que pagar em palitos de fósforo; Juntei muitas caixas de fósforo e os adultos acharam muita graça ; Outra coisa era ir a um pequeno clube que existia perto de casa ,onde pessoas iam praticar tênis, para ser catador de bolas para ganhar gorjetas e comprar doces de leite, cocadas e sorvetes.

DECISÃO.
Uma vez aceito sugestão de ir morar em Parapuã, e montar uma loja, mudamos por volta de 1949 para 1950 ,e assim iniciou-se uma outra etapa, bastante diferente vivido até o momento , que me traz muitas lembranças .