domingo, 26 de setembro de 2010

Pré-adolescência II - Pompéia

SÃO PAULO, 26/9/2010.
POMPEIA  II, FUGINDO.
A viagem de trem entre Parapuã e Pompeia à noite sozinho , com idade de 13 anos foi de uma intensa expectativa; Mil pensamentos ; Não teria caminho de volta; alias, esse foi uma das minhas preocupações que perdurou por muitos anos; E qual era a garantia para mim nunca ter que passar vexame de voltar como fracassado ? Reserva financeira e não ficar desempregado ;


Quase meia noite e o trem chegou em Pompeia; O normal seria me dirigir para a casa dos Ceschins , porém resolvi pernoitar num hotel próximo da estação na Rua Baurú e de manhã cedo iria para lá; Me colocaram num quarto onde já tinha um hóspede dormindo, e aí o medo não me deixou pegar no sono , pois ficar num quarto com um estranho e com dinheiro não tinha imaginado;


De manhã bem cedo já estava pronto ,( só tinha que lavar o rosto ) pagando o pernoite e como Pompeia é uma cidade pequena, logo estava batendo na porta da casa dos Ceschins; De cara perguntaram como estava chegando àquela hora , pois sabiam que não tinha trem àquela hora ,e então  respondi que tinha chegado à noite ,e que tinha dormido no hotel ; Primeira bronca , porque tinha ido para hotel  ao invés de ter ido direto para casa deles; A partir daí ,passei a ser tratado praticamente como  filhos deles em tudo .


Pompéia era (ainda é) uma cidade pequena com aproximadamente 20 mil habitantes , mas comparativamente bem maior do que Parapuã; A colônia japonesa era grande tanto na lavoura ,como no comércio e não tinha mudado muito de quando tinha morado antes de ir morar em Parapuã;


O pai dos meninos ,Hermenegildo, era radiotécnico e tinha uma oficina de concerto de rádios na rua principal da cidade, muito conhecido e respeitado ; Família toda católica praticante ,queriam me batizar ,porém não conseguiram me convencer, mas ficou uma sementinha plantada que mais tarde iria crescer; Ele era membro sócio do Rotary Clube e tinha bom relacionamento com pessoas de destaque da cidade.

PRIMEIRO EMPREGO.
Eu estava ansioso para saber do meu emprego,pois como disse anteriormente, era a preocupação e garantia de não ter que voltar para a casa; Com relutância perguntei ao Sr. Hermenegildo onde e quando iria começar a trabalhar, e ele calmamente disse-me que não precisava me preocupar, pois estava já conversado e de qualquer forma estava morando com eles; Não consegui me sossegar totalmente , mesmo tendo dinheiro que poderia me sustentar por muitos meses sem emprego;


No dia seguinte ele disse para me apresentar num armazém de secos e molhados de portugueses, muito grande , chamado Casa Lopes na esquina oposta a praça da Igreja Matriz; Lá, perguntaram o que sabia fazer num armazém , e respondi que tinha experiência como balconista ,e aí perguntaram se falava japonês e respondi afirmativamente; Enquanto isso eu observava empregados trabalhando no balcão, bicicletas de entregas, e tudo que já conhecia da loja da minha família; Então, um dos dono que estava me entrevistando disse que eu seria balconista e que deveria preferencialmente atender fregueses japoneses .


Assim , graças ao aprendizado que tinha adquirido na loja de casa desde 10 anos, mais a ajuda do pai dos meninos tinha o meu primeiro emprego antes de completar 14 anos; Me entrosei rapidamente como balconista e atendia quase todos os fregueses japoneses ; Quase porque tinha um balconista brasileiro que falava japonês e os fregueses o conheciam; O armazém era muito grande , tinha muitos empregados e mercadorias desconhecidos de mim que tive que aprender rápido ; Trabalhava com muita disposição e vontade.

AO LADO, PARTE DA CASA LOPES.


A minha satisfação era muito grande , e era tudo que desejava enquanto morava em casa ;Quando foi chegando o fim do mês , comecei a ficar ansioso para saber quanto seria o meu salário ; No dia do pagamento , depois que todos tinham recebidos, me chamaram e o meu coração parecia querer pular para fora do peito; Não foi o pagador e sim um dos donos que disse que eu tinha boa experiência e que apesar de ser de menor, pagaria salário mínimo de maior que na época era de $ 1800 ( de menor que tinha na época era metade) diferenciando dos demais por falar em japonês ; Não dá para descrever o tamanho da alegria que senti e fui em disparada para casa (agora a minha casa) contar e agradecer;


Voltando um pouco no tempo, duas semanas depois de ter fugido de casa , meu Avô mandou o meu tio Kiyoshi, falar comigo e a primeira pergunta que me fez foi porque tinha fugido; Sentimento de incompreendido e raiva tomou conta de mim e caí em convulsão de choro; Quando comecei a me recuperar, ainda com dificuldade , consegui explicar que essa pergunta não tinha sentido , porque eles sabiam, pois tinha dito muitas vezes e que tinham zombados de mim; Ele sempre foi o mais  ponderado comigo e disse que entendeu e que se não quisesse mais voltar , que fosse pelo menos conversar com os Avós.

VOLTA
No domingo seguinte peguei o trem e voltei para conversar com o avô ; Em Parapuã muita gente me conhecia porque estava sempre andando de bicicleta e também porque tínhamos a loja e nas ruas queriam saber se tinha voltado; Outros nem perguntavam, achando que com a idade que tinha , só tinha que ter voltado mesmo; Foi um dia de muitas explicações porque pessoas queriam saber o motivo da minha fuga, para onde tinha ido e se tinha voltado; À tarde passei junto com meus amigos que queriam saber em detalhes como tinha planejado, e muitos deles se mostraram vontade também. Fiquei sabendo depois que alguns tentaram , mas todos voltaram; No meu caso tinha o dinheiro da poupança ,experiência no trabalho e emprego arrumado , enquanto que outros tentaram sem nada, mas também sem o orgulho de voltar.


Em casa ,quando a minha Avó me viu deu de chorar ,dizendo que não deveria ter feito, e falado antes ;Como ela não convivia muito com assuntos da loja, ocupado mais com trabalho domestico , e não havia muito diálogo com o meu Avô, não entendia e ficava inconformada; Quando disse que tinha voltado só para conversar,e que iria embora novamente ,não se conformou; O meu Avô entendeu e sabendo onde eu estava morando,. disse para mim que se era isso que eu desejava , que fosse e que voltasse sempre para visitar; À noite peguei o mesmo trem de quando fugi  e voltei para Pompeia.

READAPTANDO.
Sentia muito animado , mas por um bom tempo curti muita saudade de tudo e de todos ( família, amigos e do que fazia) de Parapuã; No começo ia visitar uma vez por mês , depois com o passar do tempo foi diminuindo na medida em que ia criando novas amizades e diversão em Pompeia; Os Ceschins eram sócios do clube recreativo e me colocaram como sócios e passei a frequentar  piscina que era muito legal ;No clube fiz muitas amizades nos encontros de domingo à tarde.


A Dona Rosalina , mãe dos meninos me tratava igual aos filhos ,e portanto apesar de pagar pensão, tinha que dividir as tarefas de casa como arrumar a cama, encerar e passar escovão nos assoalho, tirar água do poço ,lustrar moveis, etç.; Ela era ótima boleira e sempre tinha encomenda, e com o material que sobrava, fazia outro para nós; Ajudava bater a clara de ovos e quando pronto, eu  ia entregar.

TRANQUILO ATÉ QUE,
Estava correndo tudo tranquilamente , até quando soube que os donos do armazém tinham vendido para outros portugueses , concorrentes, que tinham a Casa Alves Veríssimo na cidade; No meio de boatos de  quem seria aproveitados ou não pelos novos patrões, estava eu agora totalmente intranquilo ; Comentei com o Sr Hermenegildo obre a venda do armazém e dos boatos e ficou surpreso com a translação  , mas quanto aos boatos simplesmente ignorou; Passado alguns dias fiquei sabendo que o balconista " japonês "que trabalhava com eles viria me substituir; Faltou pouco para mim entrar em pânico, me vendo voltando para a casa dos meus avós envergonhado;

DESEMPREGADO
Quando realmente fiquei desempregado, e já muito desanimado, o Sr.Hermenegildo  disse me que não me preocupasse, e os filhos e a Mãe a mesma coisa; Pensava, mas como ? Passado uma semana, ele chegou à mim e disse para me apresentar na Indústria Jacto às 7 hs de segunda feira ; Não tinha ideia de como seria trabalhar numa indústria metalúrgica e passei o fim de semana só pensando na hora de me apresentar .

SEGUNDO EMPREGO.
Na segunda feira bem antes das 7 hs estava na porta da fábrica , e depois que todos tinham entrados ,o encarregado,um senhor japonês que não lembro o nome, fez algumas perguntas, indicou uma vassoura e disse que todas as manhãs começasse varrendo todo galpão ; Terminado, era para ajudar quem estivesse precisando.

JACTO
A Jacto tinha muitas máquinas e empregados ,barulhos que não conhecia e fabricava pulverizadores de pó de inseticida para cafezal ; Primeiro dia foi um misto de cansaço e alivio por estar novamente empregado ; Quando me puseram para ajudar um soldador , fiquei exposto a luz de solda o dia todo e a consequência foi o meu rosto queimado como se tivesse me exposto ao sol de verão na praia e meus olhos parecendo estar cheio de areia que duraram uns três dias. O dono era o Nishimura-san, um senhor muito sério que passava pela fabrica , mas não permanecia.


Como no emprego anterior, até o fim do primeiro mês não sabia quanto iriam me pagar de salário e a minha expectativa era muito grande ; A diferença era que nesse não tinha nenhuma experiência e achava que não deveria esperar muito; Quando chegou dia de pagamento , o contador me perguntou quanto ganhava no emprego anterior, e quando falei o valor , simplesmente disse me que seria o mesmo; Me deu vontade de sair pulando e correndo de tanta alegria que sentia,

Aos poucos fui me adaptando , e começando a gostar; Passados uns três meses ,deixei de varrer e ajudar nos trabalhos mais elaborados ; poucos meses depois me puseram para trabalhar na montagem de caixa de engrenagens de pulverizadores em iguais condições de outros empregados adultos no trabalho , mas não no salário; A cada dia a minha produção aumentava , até que em pouco tempo tinha ultrapassado  dois que faziam o mesmo trabalho;

AO LADO , A INDÚSTRIA JACTO.
 

PRODUÇÃO X SALÁRIO
Como estava conseguindo manter sempre mais produção dos demais, e o encarregado sabia, comecei a achar que deveria ganhar igual a eles também e falei com ele; A reação dele foi de me chamar de impertinente  por eu ser ainda criança e querer me igualar aos adultos; Não me conformei ,mas quando recebi o salário no mês seguinte , tinha vindo com aumento que se não era igual , era muito bom;


Com o tempo, comecei a me interessar por máquinas , principalmente em tornos, e queria aprender ,mas não me deixavam dizendo que eu ainda era muito novo; Quando podia, ficava observando os torneiros torneando peças e cada vez ficava com mais vontade; Um dia estava trabalhando e vi que chegaram umas meia dúzia de garotos , e logo foram pegando em maquinas , inclusive em tornos; Fiquei surpreso pelo que estava vendo e perguntei ao encarregado quem eram os garotos e porque eles podiam mexer em maquinas ; Ele respondeu-me que eram alunos do SENAI; Não entendi, e perguntei o que era SENAI , e aí ele me explicou que era uma escola de aprendizado de mecânica; Não imaginava que poderia existir escola de mecânica, pois para mim escola era só primário, ginásio , etç;


Aí aguçou a minha curiosidade , e queria logo saber onde ficava essa escola e fui perguntar para eles e fiquei sabendo que vieram fazer "estágio" , e o que era estagio ? perguntei; Depois de ouvir explicações deles fiquei num estado de ansiedade de vontade de frequentar "essa escola"; Fiz muitas perguntas aos meninos e não tinha dúvida de que iria conhecer o SENAI.

ESCOLA SENAI
Daí duas semanas pedi folga de um dia no trabalho e fui até Marília conhecer e me informar o que teria que fazer para me matricular no SENAI; O que vi quando cheguei em frente da escola me deixou extasiado de tão bonito que achei, além de ver alunos da minha idade de uniformes, operando diversas máquinas através de vidraças  enormes que dava para a rua. Na secretaria me disseram o dia que deveria voltar para fazer exame e que dependendo da nota , ganharia bolsa que a escola pagaria para pensão onde ficaria morando para quem era de outra cidade.


Nunca  tinha imaginado que existisse escola de mecânica ,e que fosse de graça e ainda pagasse bolsa p/ pensão; Tinha poupança que poderia ficar bom tempo sem ter que trabalhar, mas quando me falaram da bolsa , aí não poderia querer mais nada; Era só esperar o tempo passar até o dia da prova;

LIBERDADE
Enquanto isso , morar em Pompeia era muito legal, pois tinha a minha bike, clube com piscina, cinema, dinheiro ganho com meu trabalho sem ter que pedir como era em casa ,alias, não era só não gostar de pedir dinheiro , mas não gostava de pedir nada para ninguém ; Ter liberdade de poder comprar o que eu quisesse era o sentimento de satisfação maior, provavelmente por ter na infância, passado por muita restrição como descrevi  anteriormente; O que eu desejava, quando vinha,demorava tanto que tinha passado a vontade e muitas coisas eram impostas sem eu querer ,um dos vários motivos que, como já disse ,me levou a fugir de casa.


Morávamos no fundo da oficina de rádio e o vizinho da esquerda era uma confeitaria da família Hanada; Algumas vezes eles comentaram que o meu padrasto estivera na confeitaria e perguntara de mim; Não sei como soube que morava em Pompeia , mas nunca me procurou e eu nunca mais soube de meus meio e meia irmãos e irmãs.

APROVADO NO SENAI
Passados alguns meses , chegou o dia de ir fazer a prova de avaliação no SENAI; Tinha parado de estudar depois do primário e não sabia se teria chance de conseguir a bolsa; Achei que foi fácil e voltei esperançoso; Passados mais de um mês e nada de chegar a carta que ficaram de mandar, então deixei passar mais uma semana e voltei ao SENAI  para saber , quando disseram que tinham mandado; Descobri que tinham mandado para casa em Parapuã e não sei porque tinha dado aquele endereço; Mas soube na hora que eu tinha sido aprovado e que as aulas tinham começado e eu ia começar atrasado;


Que alegria , voltei no primeiro ônibus que tinha para Pompeia , contei à família Ceschin e no dia seguinte pedi a conta na Jacto ;Expliquei dando satisfação ,agradeci pelo tempo em que pude trabalhar na Jacto, e igualmente falei para a família Ceschin que me acolheu tão bem; Não me lembro se foi no dia seguinte ou mais , mas logo estava me apresentando no SENAI; Aqui termina mais uma fase da minha infância onde deixei muitas amizades , e levei muitas saudades .



5 comentários:

  1. O máximo, heim, cabeça branca? Quantas emoções! beijos, Bia

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  2. Eu me lembro de uma vez em que Dona Rosalina preparou sua salada com uma mistura de gasolina e óleo que você usava no motor de sua bicicleta, pensando que era vinagre. Lembra-se disso?

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  3. Claro que me lembro; Não dá para esquecer, pois fui perceber quando tinha comido quase toda salada de chuchu ; minhas mãos sempre estavam cheirando gasolina que usava para tirar a graxa e pensei que era e nem percebi; Fiquei arrotando uns dois dias.

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  4. Amigos legais os Ceschins, Koiti !!!...

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